Uns 20 anos atrás, muita gente achou que estava presenciando uma segunda Época de Ouro do Branding. Com a consolidação do universo digital, criava-se um novo ponto de contato com o consumidor. Era o início da Comunicação por conteúdo (ou Branded Content, se você preferir o termo em inglês).
Com o contato direto com o cliente, sem as mídias tradicionais, seria possível criar uma relação mais íntima com a base de consumidores. Contar uma história ótima, se conectar em tempo real… A marca viraria, então, uma comunidade.
Ou pelo menos era o que todo mundo imaginava.
O resultado disso é o que a gente vê diariamente: marcas fazendo malabarismos para tentar encaixar uma trend que viralizou; interações que forçam uma intimidade que não existe; projetos de branding cada vez mais desconexos.
Parece, no fim, que as marcas estão cada vez menos relevantes, ao contrário do que todo mundo imaginava.
Mas existe um ponto importantíssimo nessa equação que quase todo mundo esquece: não adianta produzir um conteúdo legal, acompanhar todas as tendências, ser uma marca descolada, se a base do projeto não é sólida.
E essa solidez se inicia com um passo que parece até meio clichê, mas que funciona: o propósito da marca.
Sua marca precisa de um propósito bem alinhado.
É muito comum, logo que você entra no site (ou no escritório) de uma empresa, ver o clássico “Missão, Visão e Valores”. Eu já vi, você já viu, todo mundo já viu. Quase sempre é um monte de palavras genéricas, sem muito sentido ou personalidade.
Quando mal executado, isso só serve para afastar ainda mais as pessoas da sua marca, tanto clientes quanto funcionários. Isso porque as pessoas tentam, sim, tirar algum Norte do que você definiu como propósito.
Portanto, se elas não conseguem identificar aqueles valores no dia-a-dia da empresa, elas necessariamente vão se frustrar.
E aqui vem a primeira lição: se for para aplicar um framework desses só porque alguém disse que era importante, sem levar em consideração o que de fato os líderes da empresa julgam ser os valores da organização, é melhor não fazer.
A parte boa é que não é um processo que leva muito tempo se você tiver convicção do que o negócio faz. E, ao mesmo tempo, não tem problema revisitar esse atestado de propósito de tempos em tempos (desde que não seja sempre).
O propósito é quem guia todas as decisões estratégicas da empresa. Ele dita o que a empresa deve fazer e, mais do que isso, o que ela não pode fazer.
Mas como, então, definir o propósito da sua empresa?
Existem diversos formatos para isso. Alguns mais complexos, outros mais simples; alguns mais filosóficos, outros mais práticos. Isso não significa que você precise aplicar todos eles – nem que todos se encaixariam no seu negócio.
Nesse artigo nós vamos te apresentar três modelos de propósito de marca:
- O Golden Circle, criado pelo Simon Sinek e um dos mais famosos;
- O clássico Missão, Visão e Valores;
- E um que tem sido mais hype nos últimos tempos, o Manifesto de Marca.
Golden Circle: O propósito como centro da sua marca
O conceito do Golden Circle, criado por Simon Sinek, é uma abordagem que se concentra em três elementos fundamentais: o “Porquê”, o “Como” e o “O quê”.
Sinek argumenta que muitas empresas começam sua comunicação pelo lado de fora do círculo, focando no “O quê” – o que eles fazem. No entanto, ele sugere que as empresas mais bem-sucedidas começam pelo “Porquê” – a razão fundamental pela qual elas existem.

- Porquê (Why): Este é o núcleo do Golden Circle. Refere-se à motivação subjacente, a crença central ou propósito mais profundo que impulsiona uma empresa. O “Porquê” é o que inspira as pessoas e conecta emocionalmente com o público-alvo. Sinek argumenta que as empresas que começam com o “Porquê” são capazes de criar conexões mais fortes e duradouras com seus clientes.
- Como (How): Esta camada se concentra em como uma empresa faz o que faz. Isso envolve os processos, práticas e métodos que uma empresa emprega para alcançar seus objetivos. O “Como” é o diferencial competitivo da empresa, o que a torna única em sua abordagem.
- O quê (What): Esta é a camada mais externa do círculo e se refere aos produtos ou serviços específicos que uma empresa oferece. É o resultado tangível do “Porquê” e do “Como”. Muitas empresas começam com essa camada ao comunicar sua mensagem, destacando o que elas fazem ou oferecem.
Sinek reforça que começar pelo “Porquê” é mais eficaz para inspirar lealdade e engajamento do público e dos funcionários, porque comunica o propósito central da empresa de uma forma emocionalmente envolvente.
Ao adotar o Golden Circle, as empresas podem criar uma narrativa de marca mais forte e autêntica, que ressoa em seus clientes de uma forma mais profunda do que simplesmente destacar seus produtos ou serviços.
Esse modelo vai na contramão do processo comum de criação de muitas empresas. Quantos negócios você conhece que não surgiram com ”tive uma ideia ótima de um produto/serviço”?
Pois é. No Golden Circle, o caminho é o contrário.
Primeiro você identifica um motivo, uma razão para a existência do seu negócio. Depois você encontra um caminho para isso e, só então, define qual vai ser a solução de fato.
Missão, Visão e Valores baseados em um propósito forte
De maneira muito simples e resumida:
A missão é o que mais se aproxima do propósito, de fato. Nesse modelo, a missão é o que se assemelha ao “porquê” do Golden Circle.
O objetivo aqui é guiar as decisões diárias da empresa, da estratégia às operações. Afinal, se todos sabem o motivo pelo qual a companhia existe, fica fácil saber se algo contribui para essa razão, ou não.
Vamos usar o exemplo do McDonald’s, uma das maiores empresas do mundo, com um branding praticamente impecável.
A Missão do méqui é:
To make delicious feel-good moments easy for everyone.
Algo como,
Proporcionar momentos bons e deliciosos, de forma simples e segura para todos.
Eles complementam:
É assim que alimentamos e fomentamos as comunidades de forma única. Servimos uma comida deliciosa para que as pessoas se sintam bem em comer, com locais e horários convenientes e preços acessíveis, e trabalhando duro para oferecer a rapidez, escolha e personalização que nossos clientes esperam. Na melhor das hipóteses, não servimos apenas comida, servimos momentos de bem-estar, tudo com a personalidade alegre, despretensiosa, acolhedora e confiável que os consumidores conhecem e amam.
A visão tem um olhar voltado para o futuro do negócio. Ela precisa deixar claro o que a empresa pretende atingir no longo prazo e inspirar todos a perseguirem esse objetivo.
Outra referência mundial de branding é a Coca-Cola.
Nossa visão é criar as marcas e as bebidas que as pessoas amam, para refrescar seus corpos e espíritos. E feito de forma a criar um negócio mais sustentável e um futuro compartilhado que faça a diferença na vida das pessoas, nas comunidades e no nosso planeta.
Por fim, os valores ditam a cultura da empresa. São os princípios, um conjunto de direções definidas, menos filosóficas, e que ditam como as coisas devem ser feitas.
Se usarmos os valores da Traction como exemplo, teremos 3 pilares:
- Um nível acima – Quer dizer que buscamos por uma atualização constante e uma excelência de execução. Nosso objetivo é confiar nossos clientes a consultores que já passaram pelos desafios que estão enfrentando.
- Jogar junto – Tomamos os objetivos de crescimento dos nossos clientes como nossos. Somos adaptáveis e resilientes para enfrentarmos juntos as adversidades do caminho.
- Tracionar – Somos guiados por resultados e colocamos toda a nossa energia naquilo que gera maior impacto no negócio de nossos clientes. É assim que priorizamos nossas ações.
E como isso tudo compõe o propósito da marca?
O propósito deve juntar todos os outros pontos acima, elevando tudo a um contexto de sociedade, além da sua empresa.
A Coca-Cola resume o seu propósito a ”refrescar o mundo e fazer a diferença”. Mas nessa carta aqui vemos claramente que essa frase assim, solta, fica meio perdida. Tudo isso faz parte de um manifesto que, por sinal, é o último framework desse artigo.
O Manifesto de Marca serve para deixar claro seu propósito e posicionamento.
No manifesto, você faz uma declaração escrita de tudo o que foi citado acima. Porém, adicionando o tom de voz da sua marca.
Além de deixar todos os pontos anteriores muito claros, o manifesto, geralmente, ainda deixa claro o seu posicionamento contra alguma coisa. Isso torna sua mensagem mais forte e transmite bem o propósito da marca, que deve ser o tema central.
Normalmente, um manifesto bem feito abrange os seguintes pontos:
- Propósito da Marca: Este é o motivo central para a existência da marca além do lucro. Ele encapsula o impacto societário ou cultural mais amplo que a marca busca alcançar. Articular um propósito claro ajuda a alinhar os esforços da organização e inspira tanto os funcionários quanto os clientes.
- Valores da Marca: Estes são os princípios orientadores que definem o comportamento e a tomada de decisão da marca. Eles representam as crenças e éticas pelas quais a marca se posiciona e muitas vezes são refletidos em suas ações e comunicações.
- Promessa da Marca: Este é o compromisso que a marca faz com seus clientes. Ele comunica o que os clientes podem esperar quando interagem com a marca, seja qualidade do produto, serviço ao cliente ou experiência geral.
- Personalidade da Marca: Se refere às características ou traços humanos associados à marca. Ajuda a humanizar a marca e criar uma experiência mais relacionável e envolvente para os clientes.
- Posicionamento da Marca: Isso define como a marca deseja ser percebida na mente de seu público-alvo em relação aos seus concorrentes. Envolve identificar as características únicas da marca e comunicá-las de forma eficaz para diferenciar a marca no mercado.
- História da Marca: Esta é a narrativa que dá vida à marca. Muitas vezes inclui a jornada dos fundadores e marcos importantes da trajetória, fornecendo contexto e ressonância emocional à identidade da marca.
- Voz e Tom da Marca: Isso se refere ao estilo e maneira como a marca se comunica com seu público. Inclui aspectos como linguagem, tom e personalidade, garantindo consistência em todos os pontos de contato da marca.
A Traction possui um manifesto que pode ilustrar a aplicação desses pontos.
Mas, mais importante do que fazer tudo isso:
Dê vida ao propósito através de ações
Com certeza é mais fácil falar do que fazer. Mas não adianta nada fazer dezenas de frameworks, definir um propósito maravilhoso para, no fim, não colocar em prática.
E aqui é importante frisar: esse comportamento é top-down. O propósito só é vivenciado dessa maneira pelos cargos mais altos da empresa.
Para todo o resto, de funcionários a clientes, o propósito é bottom up – seja interagindo com seus produtos e serviços, com funcionários, com o espaço físico da empresa ou com os meios de comunicação.
Vendo como um fenômeno top-down, é natural que a gente comece a pensar no propósito com uma pergunta como ”de que maneira o mundo seria pior se a gente não existisse?”.
Mas do outro ponto de vista, é mais importante que o propósito transmita um senso de autenticidade, coerência e engajamento, tudo isso derivado de experiências cotidianas.
E esse é o teste cabal para o seu propósito: ele realmente melhora a maneira como o seu negócio opera? Ou é tudo balela?


