Transformações são difíceis. Mas não precisam ser traumáticas.
É inevitável: toda empresa vai passar por transformações em algum momento. E, mais do que normalmente, mais de uma ao mesmo tempo. As transformações podem ter diferentes ritmos, motivos, objetivos e maneiras de acontecer. Mas mudar não necessariamente precisa ser um processo complicado e muito menos traumático, desde que todos estejam preparados para isso.
Pensando do ponto de vista de transformações digitais, que nas últimas décadas se tornaram o foco de todas as empresas, o trauma costuma ser grande: um estudo de 2020, realizado no auge da pandemia, aponta que, até então, cerca de 87,5% das tentativas de implementar alguma mudança no âmbito digital falharam. Além disso, só 5% dos 2.380 executivos consultados considerava que as mudanças tinham surtido algum efeito positivo tangível, como aumento de faturamento, inovação ou melhoras na experiência dos consumidores.
Identificando os motivos das falhas
O primeiro passo, então, para mitigar as falhas é justamente identificar por que elas acontecem. Esse mesmo estudo de 2020 aponta quatro motivos principais para que elas ocorram:
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Desalinhamento de expectativas
Devido à complexidade das transformações, muitas vezes as empresas tomam decisões equivocadas na hora de pensar como implementá-las.
- Devido à complexidade dos projetos, muitas vezes são necessários aumentos de prazos e orçamentos, junto com a revisão das expectativas para evitar frustrações. Boa parte dos decisores não entende isso e, ao invés de realinhar o projeto com o tempo, tentam forçar a execução e acabam superestimando resultados. A frustração com os fracassos nesse caso acaba ofuscando os resultados positivos, o que pode levar ao fim de um projeto promissor antes mesmo de ele ser concluído.
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Escopo de projeto limitado
Muitas das mudanças são feitas simplesmente ‘porque sim’. Ao tentar seguir uma tendência, empresas tentam forçar mudanças que não têm um motivo real de ser. Sua empresa realmente precisa de um personagem para representá-las nas redes sociais ou você quer porque viu outra empresa fazendo? É necessário estar presente em todas as redes ou é melhor não ter um linkedin abandonado? Muitos projetos falham (e eles acabam sendo grandes ralos de dinheiro) porque não existia um propósito real por trás daquilo.
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Governança fraca
Todo projeto precisa de um líder. Uma equipe bem liderada geralmente é uma equipe focada. Se um projeto nasce sem alguém pra assumir, ele está condenado ao fracasso e, geralmente, alguém acaba indo embora junto com ele (porque mesmo que ele não tenha um líder, alguém vai levar a culpa).
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Subestimar barreiras culturais
Antes de começar uma mudança, é preciso entender como a cultura da empresa funciona. Não adianta nada tentar implantar uma ferramenta que possibilite a comunicação assíncrona em uma empresa onde todas as decisões são tomadas em reuniões entre todos os membros de um time, por exemplo. Ou a ferramenta vai acabar subutilizada, ou a cultura da empresa vai precisar mudar. (Spoiler: a ferramenta vai acabar completamente abandonada)
- Antes de qualquer mudança, os valores da empresa sempre devem ser revisitados e reforçados. É muito mais simples procurar outra solução que se encaixe melhor na cultura como um todo do que forçar uma mudança cultural.
Como as transformações acontecem nos negócios
Para entender o que motiva a transformação em uma empresa, é preciso se fazer duas perguntas: 1) O agente causando essa transformação é interno ou externo? e 2) Qual o ritmo da transformação?
Um artigo da HBR resume bem como essas transformações ocorrem:
Transformações lentas
O tipo que todo mundo imagina quando pensa em uma transformação dentro de qualquer empresa: Um líder introduz uma nova visão, com a intenção de implementá-la a longo prazo, como mudanças culturais ou turnarounds (uma virada ou renovação corporativa).
Um dos exemplos mais famosos de uma transformação interna desse tipo é a Microsoft. Desde quando Satya Nadella assumiu o cargo de diretor executivo da empresa, práticas antigas foram deixadas de lado e a ênfase em crescimento e satisfação individual, empatia e bem-estar coletivo ficou clara. Além disso, práticas agressivas de negociação e licenciamento de softwares foram revistas, representando uma mudança radical em todo o funcionamento da empresa. As mudanças ainda estão em curso, mesmo depois de quase 10 anos com Satya como CEO.
O grande desafio em mudanças assim é manter o foco. A maior parte dos líderes não tem a paciência e visão a longo prazo necessárias para um processo desse tipo, e a chance de tudo se perder no caminho é grande.
Transformações rápidas
Uma reestruturação corporativa ou implantação brusca de uma nova estratégia muitas vezes demandam uma mudança acelerada. Muitas vezes feitas com a intenção de pegar todo o mercado de surpresa, esse tipo de iniciativa é arriscada, porque nem todo mundo pode comprar a ideia. E nesse caso, o mais importante é vender bem a ideia internamente, porque se os próprios funcionários não acreditarem que o esforço redobrado vai valer a pena, muito possivelmente vai ser tudo em vão.
Talvez o exemplo recente mais expressivo seja a mudança do Facebook para Meta. A entrada de cabeça no metaverso fez com que 68 mil funcionários deixassem tudo que estavam fazendo de lado e se dedicassem integralmente a um novo projeto. O argumento para que a mudança fosse feita tão de surpresa assim era garantir que a empresa tivesse a dianteira num universo ainda pouco explorado.
Transformações negociadas
Talvez a mais odiada das quatro, normalmente significa uma mudança em normas regulatórias ou leis, com as quais a empresa não tem como argumentar e, com sorte (e se for um player gigantesco) pode no máximo tentar influenciar em partes.
Pra quem trabalha com marketing, não existe exemplo maior do a Lei Geral de Proteção de Dados ou a GDPR da União Europeia. Obviamente, são mudanças necessárias e muito benéficas para os consumidores, mas para as empresas significa retrabalho e muitas vezes reaprendizado.
Aqui não tem o que fazer: é estudar e se adequar. Por sorte, geralmente são mudanças que levam anos para serem concluídas e aí o maior risco é se adequar rápido demais. Pode ter certeza que, até uma versão definitiva e consolidada desse tipo de mudança entrar em vigor, muita coisa vai mudar. Então não adianta correr pra se adequar: isso só significa ter que se adequar de novo depois.
Transformações de assalto
É a que todo mundo teme: uma mudança brusca e inesperada, causada por um agente externo e que é garantia de danos cada vez maiores a cada dia sem tomar uma atitude.
Um exemplo óbvio é a pandemia, que pegou todo mundo de surpresa e forçou mudanças bruscas com urgência. Um estudo da McKinsey de 2020 mostrou que os primeiros meses de pandemia forçaram mudanças equivalentes a algo entre três e quatro anos de digitalização nas interações das empresas com seus fornecedores e consumidores. Ao mesmo tempo, os portfolios de produtos digitais ou compatíveis com o meio digital tiveram uma aceleração equivalente a sete anos nesses mesmos primeiros meses.
Um exemplo um pouco menos óbvio é o de Carlos ‘Ocelote’, ex-CEO da G2, uma das maiores organizações de e-sports do mundo. Ocelote deixou o cargo de CEO da empresa em setembro de 2022 depois de ter compartilhado no Twitter um video com Andrew Tate, celebridade da internet acusado de tráfico humano e estupro em abril desse ano.
Ocelote, que sempre foi conhecido por ser polêmico, sofreu retaliações duríssimas e se desligou da G2. O problema é que a marca da G2 é fortemente ligada à figura de Ocelote (que é um dos dois fundadores) e isso afetou a organização diretamente, causando a perda de parcerias e participação em campeonatos.
A G2 reestruturou parte do board executivo, reviu a comunicação da marca, renegociou contratos e criou medidas de contenção de danos. Tudo em questão de dias.
Gerenciando mudanças simultâneas
Obviamente tudo seria mais simples se essas coisas todas acontecessem uma de cada vez e viessem com um aviso para que todo mundo se preparasse. Mas o mundo real não é assim e normalmente mais de uma transformação acontece ao mesmo tempo.
E como se preparar então? Um bom exercício é, mensalmente, se perguntar quais mudanças estão em curso ou podem estar na iminência de acontecer e como resolvê-las da melhor forma.
Ao mesmo tempo, a empresa deve ter bem definido um plano de ação para cada uma das quatro transformações possíveis.
É essencial também ter sempre em mente que uma mudança não vem sozinha. Uma mudança na legislação pode obrigar toda a cultura da empresa a mudar junto, assim como um evento como a pandemia ou uma guerra pode desencadear mudanças de processos internos.