Segmentação de mercado, necessidades e ‘jobs to be done’: como vender o seu produto
Semana passada eu falei, num artigo exclusivo pro Experts, sobre testar hipóteses essenciais para o seu negócio dar certo antes de partir para um MVP. falei do MVT, que é essa etapa de testes antes do produto de fato. Agora eu quero falar de dois temas relacionados. Jobs to be done e segmentação de mercado.
Inclusive, se você ainda não entrou pro Experts, uma pausa pro convite. É de graça e toda semana tem um artigo exclusivo por lá. Mas, voltando ao tema aqui:
Entender o ‘job to be done’ ou, numa tradução livre, ‘trabalho a ser feito’ do seu público alvo é essencial para criar um produto disruptivo. A gente passa muito tempo focando em criar um produto perfeito, melhorar cada detalhe, mas raramente entende o motivo pelo qual um consumidor faz escolhas.
Um consumidor não compra simplesmente um produto ou serviço. Ele te contrata pra fazer algum tipo de trabalho por ele. E isso não é só sobre função, mas sim criar um conjunto de experiências que é exatamente o que ele busca. São experiências que trazem componentes emocionais e sociais, que muitas vezes acabam sendo mais fortes até do que a função em si.
Entendendo o que o consumidor quer e por quê
Vou citar aqui exemplos ao longo do artigo: o primeiro é a Clearblue. Quase todo mundo, se não conhece esse nome, pode ter certeza que em algum momento vai conhecer. A Clearblue tem 25% do market-share de testes de gravidez caseiros. Eles são os criadores daquele teste com um mostrador digital, que fala até uma estimativa das semanas de gravidez.
A princípio, você poderia segmentar o mercado de testes de gravidez baseado em dados demográficos, como idade e renda, ou por sensibilidade ao preço (o teste com mostrador digital custa R$50, contra 15 do normal, dos risquinhos). Mas talvez seja muito mais eficiente se perguntar os motivos pelos quais as pessoas compram um ou outro.
Por que uma pessoa compraria um teste de gravidez? As razões são as mesmas pra todo mundo? Sem dúvida não. É só pensar um pouco que a gente pensa em dois casos: as esperançosas, mulheres que querem de fato engravidar; e as receosas, que têm medo de uma gravidez inesperada.
Como identificar, então, esses dois segmentos no mercado e vender para cada um deles? Fácil: muitas vezes as empresas criam produtos diferentes, com apelos diferentes, e deixam o consumidor escolher o que o agrada mais.
As abordagens mudam a segmentação de mercado
Quando você fornece uma roupagem diferente, um posicionamento diferente e um preço diferente, é muito raro que o seu produto atinja o mesmo público, mesmo que o conteúdo (no caso, um teste de gravidez) seja exatamente o mesmo.
Pensa: se você já está torcendo pro seu teste dar negativo, você preferiria que o teste estivesse na prateleira ao lado das fraldas e produtos para bebê ou perto dos preservativos?
Ao mesmo tempo, se você quer muito engravidar, você prefere que o teste tenha estampado uma mulher grávida ou só a informação de que o teste é confiável e dá o resultado em cinco minutos?
O teste com mostrador digital é revolucionário justamente por pegar esses dois públicos com facilidade. Ele traz a alegria de imaginar o bebê com x semanas para a futura mãe que sonha em ter um filho. Ao mesmo tempo, ele traz a segurança de pensar quais os próximos passos para uma mulher com receio de estar grávida.
São dois públicos opostos, com dores semelhantes (mas nem de longe com o mesmo objetivo) que topam pagar mais caro por um produto que atende suas expectativas.
O que é a segmentação
Muito primordialmente, é a separação de grupos de consumidores com diferentes necessidades em subgrupos de consumidores com preferências e dores similares. Fazendo isso, uma empresa pode customizar muito mais a fundo seus produtos e serviços para atender cada segmento.
Pode parecer trivial, mas muita gente erra na hora de segmentar. Antes de mais nada, você precisa se perguntar o motivo real da segmentação e em quê ela vai se basear. Dividir simplesmente porque sim é um erro muito comum e muito grave.
É necessário se perguntar qual a necessidade que o seu produto ou serviço atende. Já sabe? Ótimo. Então é hora de entender os comportamentos do (ou dos) público(s) que você pode atender. Se for um grupo muito homogêneo, seja porque a sua área de atuação é muito nichada ou porque ela atende uma necessidade muito básica, então não tem muito o que segmentar.
Independente de qualquer coisa, é sempre bom ter esses seis pontos a seguir em mente na hora de escolher um segmento de mercado:
- Volume: Quase nunca vale a pena atingir segmentos muito pequenos. Sua fatia precisa, então, ter gente o suficiente para ser rentável.
- Acessibilidade: Pode parecer bastante óbvio, mas você precisa conseguir atingir seu segmento nos canais que pretende trabalhar. Não adianta tentar atingir, no Twitter, um público mais velho, por exemplo.
- Identificação: Você precisa ser capaz de identificar seus clientes e medir as todas as características possíveis deles.
- Diferenciação: Seu público precisa ser claramente diferenciável de outros públicos que você não queira atingir.
- Estabilidade: Seu segmento não pode ser instável a ponto de não te dar segurança a longo prazo. É um público prestes a desaparecer? Se basear em estilo de vida, por exemplo, pode ser perigoso, porque essa é uma característica mutável. Vide a aposta no ‘novo normal’ dos últimos anos.
- Acionável: Seu público precisa ser alcançável para você. Não adianta nada identificar um público perfeito lá na Noruega se eu não consigo entregar meu produto lá, por exemplo.
Pode fazer o exercício aí que eu espero. Pensa no público da Clearblue e me fala se ele não cumpre todos os requisitos.
É muito fácil errar a segmentação de mercado.
Faz um grande favor pra você mesmo(a): entra agora nesse link daquela bizarrice de caneta da BIC feita pra mulheres e lê os reviews. Não dá pra imaginar por que (na verdade dá, mas eu vou deixar você pensar por conta) a galera da BIC achou que seria uma ótima ideia criar uma caneta especificamente para mulheres. O corpo da caneta é mais fino, as cores são em tons pastéis e, óbvio, ela custa mais caro.
Acontece que, quem diria, o mercado de canetas não é tão heterogêneo quanto a BIC imaginava.
Um dos erros mais comuns na criação de uma estratégia de segmentação de mercado é acreditar que o consumidor sabe exatamente o que ele quer. Ele não sabe. Usar grupos focais, por exemplo, é uma furada sem tamanho. A melhor estratégia, então, é acompanhar e observar o seu público alvo no ambiente onde ele costuma consumir o seu produto. Não a toa, empresas do mundo todo começaram a contratar antropólogos para entender o comportamento dos consumidores (esse artigo aqui, um dos meus preferidos da HBR, explica isso primorosamente).
Usar análises qualitativas como essas é, até hoje, inovador. Eu sempre bato na tecla aqui que o uso de Big Data e personalização data driven precisa se tornar mais comum pra qualquer empresa, independente do tamanho, que queira ter sucesso.
Identificando os jobs to be done
Muitas vezes a gente acredita que tem exatamente o público certo na mão, mas chega na hora e a pessoa opta por outro serviço ou produto.
O exemplo máximo disso é o Airbnb. Você pode achar que uma pessoa rica, com dinheiro pra ficar num hotel 5 estrelas com todo o luxo possível sempre vai optar por isso ao invés de alugar uma casa. E é aí que você se engana.
O Airbnb vai além de ser barato. Muita gente fica incrédula com o conceito da experiência do Airbnb, mas é exatamente esse o trunfo deles. Quando o Airbnb surgiu, eles fizeram uma pesquisa muito profunda e selecionaram 45 hosts e suas histórias. Daí eles fizeram os storyboards e produziram um mini documentário mostrando as vidas das pessoas donas dos imóveis e toda a experiência relacionada aos lugares onde elas vivem.
É basicamente uma imersão, pra que o consumidor saiba exatamente como é a sensação de entrar nas vidas e nas casas dessas pessoas. Se o local foi descrito como relaxante e acolhedor, o documentário retratava exatamente isso. Foi uma mega produção, com direito a animador da Pixar e roteiro inspirado na Disney. Tudo isso reflete no que as pessoas esperam de um Airbnb, em contraponto a um hotel.
No fim, o Airbnb nem concorre com hotel, muitas vezes. Ele concorre com a casa de um amigo, uma coisa muito mais intimista.
Entender o que o seu consumidor precisa fazer é essencial na hora de criar a segmentação de mercado. É aí que a demografia é falha. Entendendo as camadas mais íntimas do comportamento do seu cliente ideal, você descobre de fato com quem está competindo. Daí, o resto começa a se encaixar naturalmente.