Flywheel: O que é, como funciona e como colocar em prática
Flywheel basicamente é um conjunto de pequenos resultados positivos que se somam ao longo do tempo, gerando um momento tão grande que o crescimento parece acontecer sozinho. Momento e flywheel (que, numa tradução muito livre, pode ser tipo um cata-vento ou, se você preferir, na tradução literal é um volante de inércia), são conceitos que ilustram bem um processo que ganhou bastante atenção no marketing nos últimos anos.
Antes de entender o flywheel é preciso olhar um pouco pro passado do marketing. Na chamada época de ouro do marketing, bastava ganhar presença nos canais como rádio e tv. Com a chegada da tecnologia, os anúncios foram ficando cada vez mais personalizados e segmentados de acordo com o público. Isso trouxe como benefício a diminuição dos custos em geral, mas trouxe problemas de privacidade e eficiência a longo prazo.
Agora nós estamos entrando em uma fase completamente diferente, levando a conexões muito mais profundas com as comunidades de consumidores e uma ressonância emocional muito maior.
Em resumo, o conceito foi primeiramente apresentado por Jim Collins no livro ‘Empresas feitas para vencer‘ (ou, em inglês Good to Great). A ideia é que o seu melhor time de vendas são os próprios clientes. Se eles estão felizes com seus produtos e serviços, eles viram promotores. Virando promotores, eles falam de você para os amigos e, se esses amigos gostarem, eles vão falar para os amigos deles, criando um ciclo.
Não vou me aprofundar nesse assunto em específico porque isso já tá bem descrito em outro post. Inclusive, se você ainda não leu, eu recomendo pausar essa leitura e começar por lá.
No entanto, eu vou me aprofundar no ciclo de ‘Atrair, engajar e encantar’ da imagem acima.
Atrair, Engajar, Encantar.
Atrair se baseia em chamar atenção dos consumidores que estão prospectando produtos como o seu, usando conteúdo realmente útil e fácil de encontrar. Como? Usando SEO, redes sociais, anúncios, eventos, vídeos… Sua imaginação que manda. O foco aqui é fazer isso de um jeito agradável, ao invés de forçar a pessoa a te ver a qualquer custo sem oferecer nada interessante em troca.
Engajar é um processo que leva mais tempo. Depois de passar uma boa primeira impressão, é hora de deixar o seu prospecto entender se aquilo é realmente para ele. Aqui um bom branding, aliado a campanhas para esquentar o público, testes grátis e um processo de compra simples e transparente são essenciais.
No momento em que um prospecto deixa de ser só um prospecto e de fato compra seu produto ou serviço, ele se torna seu cliente. É aqui que o design de produto brilha. Primeiramente, seu produto deve ser o mais fácil possível de usar. Forneça uma base de dados rica para que o próprio usuário consiga solucionar qualquer dúvida por conta e entenda todas as nuances.
Se preciso, peça feedback dos usuários e aja o mais rápido possível para solucionar problemas. A meta aqui é que as pessoas não sejam só usuários.
Eventualmente, as pessoas precisam ser fãs da sua marca.
Isso é Encantar. Se um cliente se torna fã da sua marca, é provável que ele indique seus produtos para mais pessoas como ele. E, assim como quem indicou, os amigos dele vão indicar para mais pessoas.
A palavra chave aqui é facilidade. Da mesma forma que um cata-vento real, esse modelo se baseia em eliminar pontos de atrito, para que tudo funcione da maneira fluida e natural. E quanto mais força se aplica e menos atrito no sistema, mais rápido ele gira e mais difícil de parar.
Atlassian: flywheel executado com maestria
Sabendo o básico de como funciona o flywheel, é hora de ver na prática como aplicar. Talvez você não tenha ligado o nome Atlassian aos produtos, mas se você trabalha no meio corporativo moderno (sobretudo com T.I.), muito possivelmente ouviu algum desses nomes nos últimos tempos: Trello, Jira, Confluence, Crucible.
Talvez você não tenha ouvido falar do Hipchat ou do Stride, mas já ouviu falar do Slack. Os dois primeiros eram concorrentes do Slack (e criados pela Atlassian). Com o sucesso do Slack, acabaram sendo vendidos para a própria Slack em 2018.
A Atlassian não é exatamente nova, mas o crescimento foi exponencial nos últimos anos: em 2008 o ARR era de $20 milhões. Em 2022, a previsão é de 2,8 bilhões de dólares. Tudo isso sem um time interno de vendas.
Pare de se preocupar em vender um produto antes de ter um produto que se venda sozinho.
O foco da Atlassian sempre foi o crescimento focado no produto. Não por acaso, a missão da empresa sempre foi criar produtos memoráveis.
Nesse sentido, ao criar um produto fácil de usar e que todo mundo ame, o processo de torná-lo conhecido se torna orgânico. O próprio usuário faz o marketing pela empresa e traz novos usuários para dentro do universo da marca.
Mas um produto bom não é garantia de que as pessoas vão comprar. Por isso, criar um sistema ‘self-service’ funcional e seguro é essencial.
O self-service de SaaS
A Atlassian partiu da premissa de que seus usuários estavam procurando uma solução para um problema. Ao oferecer um produto bom, que as pessoas podiam testar por conta e, caso gostassem, fazer o pagamento por conta, eles deram toda a autonomia possível para o usuário.
Esse modelo, que deixa de lado páginas de formulário para entrar em contato com um vendedor, esperar horas até receber um orçamento e só então decidir se quer comprar, virou quase um padrão hoje em dia. Mas eles começaram a fazer isso em 2002. Na época praticamente ninguém usava Google, quanto menos AdWords ou rankeamento de SEO.
Aí entra o próximo problema: Sem uma pessoa te atendendo durante a compra, como saber os preços de cada plano?
Precificar para ter volume e consistência
Aqui a estratégia se baseia em dar o mínimo de dor de cabeça possível pro cliente. Se o seu usuário não consegue entender o motivo de pagar um valor x por um plano e y por outro em uma fração de segundo, pode ter certeza que ele vai desistir de comprar.
No caso da Atlassian, o modelo bottom-up funciona perfeitamente. Para times com até 10 pessoas, é grátis. Com as mesmas funções que uma empresa com 10 mil funcionários teria. Acima disso, o preço aumenta proporcionalmente ao número de contas.
Outra estratégia aqui é simplesmente pensar num preço condizente que não faça a pessoa se questionar se vale mesmo a pena enquanto preenche os dados do cartão de crédito. Posicionar o preço do seu produto de maneira estratégica impede a indecisão e, principalmente, acaba com a necessidade de uma pessoa real tentando convencer o cliente de que ele precisa do seu produto.
Essa necessidade de uma pessoa atendendo um cliente individualmente representa um gasto (tanto de energia quanto de dinheiro) que poderia ser direcionado para solucionar problemas.
Todo questionamento significa um atrito. Lembra que eu falei ali em cima que num cata-vento o atrito significa perda de energia? Nesse sentido, atritos precisam ser solucionados. Toda vez, então, que um cliente precisa de uma venda consultiva, pergunte o porquê e tente solucionar o mais rápido possível.
Quem tem amigos tem tudo
Sem a necessidade de vendas consultivas constantes, o time de vendas fica praticamente livre para lidar com outros problemas. Mas só se não houver prospecção ativa de clientes. É aí que entram os fãs e parceiros, que acabam virando um canal de vendas indireto.
Os seus clientes muito possivelmente dominam muito mais os mercados em que eles atuam do que qualquer time de vendas interno. Além disso, ter outras plataformas como parceiros ativos, com integração entre os programas, foi essencial para a Atlassian. Hoje em dia, qualquer usuário do Slack que receba um link do Confluence pode pedir acesso de dentro do próprio Slack.
Ter consumidores engajados, em fóruns, canais dedicados e até mesmo nas redes sociais, permite que os próprios usuários atuem como suporte. Ter um time dedicado a dar recompensas para esses usuários muito fiéis permite que eles virem embaixadores da sua marca.
São diversas maneiras de criar uma comunidade de amigos de fato da marca, que acabam atuando praticamente como um time de marketing.
Essa comunidade é o melhor indicador do futuro do seu negócio. Nesse sentido, não importa muito o número de vendas. Muito mais importante é o número de pessoas de fato usando seu produto e, mais importante ainda, se esses usuários estão tirando algum valor real dele.
E quanto mais valioso seu produto, mais você pode cobrar por ele. Se isso puder ser feito num sistema de assinatura então, melhor ainda. Isso reduz o atrito inicial da dúvida sobre o valor do produto e estabiliza a receita (é muito mais fácil estimar o número de assinaturas do mês seguinte do que as vendas futuras).
Diversifique (mas mantenha o foco)
Criar um ecossistema que faça sentido é sempre saudável, seja para B2C ou B2B. Quanto mais diversidade nos seus produtos, maior a chance de atender a demanda de públicos muito diversos. Além disso, um cliente que adiciona um outro produto ao carrinho tem um risco menor de churn.
No caso da própria Atlassian, é quase assustador ver o gráfico de gastos dos clientes ao longo da vida:

Ao mesmo tempo, é normal que conforme clientes maiores entram na carteira da empresa, a gente deixe de lado os pequenos e passe a atender a demanda dos grandes.
O preço que se paga por isso pode ser alto demais para valer a pena. Esse foco nos grandes sempre significa uma perda significativa de volume, o que significa também a perda da tração inicial de impactar mais pessoas através dos clientes mais fiéis, que é essencial para o flywheel.
Além disso, é normal que se deixe os clientes grandes ditarem a direção para onde a empresa caminha. Isso se torna um caminho sem volta e muitas vezes é melhor abrir mão de um cliente que não se encaixa do que deixar ele moldar tudo a sua volta.
Isso nos leva ao último tópico:
Reforce o seu flywheel com os valores e propósito da empresa
Ter um time coeso, com um objetivo claro e propósito alinhado é fundamental, sempre. Muitas vezes, conforme a empresa cresce, parte da cultura muda e isso é normal. Mas o propósito não pode mudar, independente do que aconteça.
Se a base de tudo que a empresa faz se mantiver a mesma, as coisas vão dar certo. No caso da Atlassian, esse processo levou tempo (em comparação com as startups de tecnologia que nasceram e cresceram absurdamente nos últimos anos). Mas ele só aconteceu porque o propósito sempre foi o mesmo: garantir que a experiência dos usuários seja sempre a melhor possível.