Ou o que Product Market Fit tem a ver com entender o seu público.
Todo mundo sabe que não é fácil lançar um produto novo. Os motivos são muitos: Incapacidade em acompanhar a demanda, prometer demais e não entregar, precisar educar seu público (e não conseguir), não ter mercado… 75% dos produtos acabam não vingando no primeiro ano e boa parte disso se deve ao que nós vamos chamar aqui de miopia em Marketing, um termo cunhado nos anos 60 e que continua atual, ainda mais agora que Product Market Fit (ou PMF) tem se tornado um assunto cada vez mais falado.
Essa miopia nada mais é do que a incapacidade de enxergar o que os consumidores querem, numa escala maior, e acabar focando muito em tentar vender o produto a qualquer custo. O primeiro artigo linkado ali em cima cita uma pesquisa que demonstrou que, em média, as famílias norte-americanas compram os mesmos 150 produtos repetidamente. Esses mesmos produtos representam 85% das necessidades familiares. É fácil afirmar, portanto, que inserir um produto novo na rotina do consumidor é extremamente difícil.
Mas por onde começar, então, para diminuir as chances de falhar? É sobre isso que a gente vai falar nesse artigo.
De onde vem a miopia em marketing?
O termo em si surgiu num artigo de 1960, do professor da Harvard Theodore Levitt. Ele argumentava, já naquela época, que as empresas focam demais em produzir o produto, enquanto deveriam focar em entender o que os consumidores querem ou precisam. E, mais de 60 anos atrás, ele já dizia que deveria acontecer uma transição de empresas product oriented para consumer oriented.
Sabe aquela frase famosíssima que diz ‘as pessoas não compram uma furadeira porque querem uma furadeira, mas sim um furo’? Então, é dele.
Aqui eu quero fazer um parênteses pra contextualizar um pouco sobre o marketing nos anos 50 e 60.
Foram décadas bastante revolucionárias e muitas coisas que surgiram nesses anos são verdades desde então. Pra começar, em termos de contexto socioeconômico mundial, foi o período em que o mundo finalmente se recuperou do estrago da Segunda Guerra.
As pessoas deixaram de consumir apenas o essencial e passaram a ter um estilo de vida com um pouco mais de qualidade (leia-se acesso a bens supérfluos). A grande questão aqui é que bens de consumo essenciais se vendem praticamente sozinhos, enquanto os supérfluos precisam de um motivo que, até então, a pessoa não sabia que existia. Isso cria a necessidade de campanhas mais elaboradas, além de produtos mais bem pensados. Esse avanço socioeconômico, aliado a novas tecnologias, como a popularização da televisão, deu um espaço que as empresas ainda não tinham experimentado.
Além disso, a década de 60 foi a década dos movimentos sociais. O crescimento de movimentos por direitos civis e direitos das mulheres, o fortalecimento da contracultura e, ao mesmo tempo, a intensificação da Guerra Fria forçaram as marcas a conversar mais com valores sociais e culturais.
É importante lembrar de tudo isso porque essas são coisas que as empresas costumam ignorar até serem atingidas pelas consequências.
A Miopia em Marketing descrita por Levitt é a falta de insights sobre o que o negócio está de fato fazendo pelos consumidores.
Todo mundo que trabalha com marketing precisa lidar com campanhas, métricas, estratégias e táticas. Mas o tempo não para pra você largar tudo isso e pensar por quê você está fazendo aquilo tudo. A gente esquece que só precisa pensar em marketing porque nós temos pessoas comprando o quer que seja que nós oferecemos.
Isso está ligado diretamente ao Product Market Fit por um motivo muito simples: você só vai entender se o seu produto serve para um determinado público quando entender, de fato, quais são as dores e necessidades dele. Pensar nisso logo quando você tem uma ideia de produto, inclusive, deveria ser o padrão para entender a viabilidade e longevidade de produto antes de tentar começar a vender.
A gente investe muito tempo, energia e sobretudo dinheiro no que estamos fazendo no momento que não é raro esquecer do futuro.
E, então, o que é a miopia em marketing?
Dá pra citar inúmeros casos pra exemplificar, mas um particularmente famoso é o da Kodak. Eles chegaram a ter 90% do market share de filmes para fotografia do mundo, ou 70% do mercado dos EUA, por exemplo. Mesmo assim, em 2012 a Kodak entrou com um pedido de recuperação judicial.
Eles basicamente criaram o mercado da fotografia. A margem de lucro de um filme fotográfico era de cerca de 70% e eles tinham uma das marcas mais conhecidas do mundo. E foi assim até o surgimento da fotografia digital – uma tecnologia em que, ironicamente, a própria Kodak foi pioneira.
Nesse caso, entender o sucesso da marca é essencial para entender o fracasso. Durante a maior parte do século XX, a Kodak não só ajudou a desenvolver praticamente todas as tecnologias relacionadas a fotografia, como criou um mercado de massa do zero.
No século XIX a fotografia era uma exclusividade dos fotógrafos profissionais, com daguerreótipos gigantes (e caros). Era um produto voltado para uma elite, até a invenção do filme fotográfico. Mas com o surgimento das câmeras de filme, surgiu outra questão: as pessoas precisavam ser ensinadas a fotografar. E mais: elas precisavam de um motivo para querer fotografar.
Por muitos anos, a Kodak focou em campanhas publicitárias que reforçavam a necessidade de registrar momentos importantes. Eram os chamados Kodak Moments.
Além disso, eles ajudaram a criar o conceito moderno de turismo. Esse sentimento que a gente tem de ‘se eu não tirar uma foto eu não fui’ foi criado pela Kodak.
Como, então, a Kodak faliu? Por incrível que pareça, parte da resposta está em um comportamento muito associado a gênero. A Kodak sempre teve como foco nas campanhas as mulheres. Eles entendiam que esse apelo de registrar momentos importantes da família estava muito associado às mulheres e, na década de 70, mais de 60% das fotografias nos EUA eram tiradas por mulheres.
A revolução digital mudou a associação que as pessoas tinham com as câmeras, além de afetar diretamente o maior trunfo da Kodak: a rede de distribuição.
As câmeras passaram a ser vistas como um gadget eletrônico ao invés de um aparelho para registrar memórias. E então, do nada, o público alvo mudou. Com o advento das câmeras digitais (e, posteriormente, nos celulares), não havia mais a necessidade de imprimir fotos. E a cadeia de distribuição da Kodak parou de fazer sentido.
A mudança foi brusca: se antes 60% do mercado eram mulheres, agora 70% eram homens. E a Kodak não sabia conversar com o novo público que tinha em mãos, porque os homens não tinham interesse em imprimir as fotos. Eles nunca foram vistos como os arquivistas da família.
E aí a Kodak, como toda boa empresa, fez exatamente o que se espera: ignorou o problema e torceu pra que ele fosse embora magicamente. Eles procuraram todas as desculpas possíveis para não acreditar na fotografia digital – muito cara, muito difícil, qualidade ruim. A fé na fotografia analógica era tanta que os executivos da Kodak respondiam qualquer pergunta sobre a importância da fotografia com ‘se a casa de alguém pega fogo, qual a primeira coisa que ela salva? As fotografias.’.
A fotografia deixou de ser sobre preservar memórias e passou a ser sobre compartilhar experiências. Passou de um público majoritariamente feminino para masculino. E a Kodak falhou em entender o product market fit nesse novo cenário.
Ao invés de aceitar a chegada das novas tecnologias, a Kodak abraçou um pensamento corporativo atrasado. Eles chegaram inclusive a acreditar que o time dedicado a tecnologias digitais estava canibalizando vendas da empresa, prejudicando os outros times.
A cura pra miopia em marketing começa com uma pergunta que todo líder deveria saber responder de cor:
Qual é, realmente, o nosso negócio?
Daí vêm outras perguntas, como o que a gente realmente está fazendo pelo nosso cliente? Uma empresa de sucesso foca no que o consumidor precisa (tirar fotos de maneira prática, no caso da Kodak), não nos seus produtos e serviços. Seus produtos podem e vão ser substituídos por alternativas melhores. Resta saber ser quem vai produzir é você ou o seu concorrente.
Quão relevante é a miopia de marketing para análises de product market fit?
Por sorte esse não é um método que vai ficar defasado nunca. O proposto por Levitt não foi um framework, mas uma provocação e maneira de pensar seu negócio. E não precisa ir muito longe pra ver que esse é um método perfeitamente aplicável hoje. Um dos exemplos apresentados no artigo citado lá no comecinho desse texto são as editoras (de livros, por exemplo). Quantas vezes você já não se perguntou se os livros vão desaparecer e, do nada, surgiu alguém pra falar ‘lógico que não. Livro tem cheiro de livro, sentir o papel é mil vezes melhor do que ler num kindle’. Será mesmo? Quantas livrarias existem na sua cidade? A Livraria Cultura tava falindo esses dias.
As pessoas não querem simplesmente ter um livro, ter uma revista (qual foi a última vez que você pisou numa banca, sem ser pra trocar figurinha da Copa?). Elas querem ler. Querem se sentir informadas, entretidas.
Isso não significa que a teoria não tenha falhas. Ela tem mais de 60 anos e, por ter virado quase uma religião no marketing, se manteve praticamente intacta. Isso nos trouxe, ironicamente, a uma nova miopia: As pessoas focam tanto no consumidor que esquecem do produto e erram na hora de definir quem é o consumidor e como ele guia a empresa.
Muita gente acaba confiando tanto no consumidor que esquecem um fato crucial: o consumidor é imprevisível, teimoso e não tem a visão de longo prazo que a empresa precisa ter. Além disso, a gente esquece que são os consumidores, no plural.
E, convenhamos, não é só o consumidor que importa. Nessa de agradar demais o consumidor, você pode estar esquecendo de todos os outros stakeholders.
De qualquer forma, a Miopia de Marketing continua tão relevante hoje quanto décadas atrás. Ela te lembra dos riscos que você corre se não se atentar às necessidades do consumidor. O Theodore Levitt acreditava que CEO nenhum conseguia prever o futuro – e nem deveria tentar. Mas ao se concentrar em atender as necessidades dos clientes (e não em vender um produto) e entender realmente em qual mercado você está, seria mais fácil se preparar para adversidades.