Converter seus clientes em amigos, empoderá-los e defendê-los pode aumentar (e muito) o lifetime value e diminuir seus custos.
Grande parte das empresas já entendeu a importância de criar relações mais próximas dos seus clientes mais valiosos. Mas poucas estão fazendo alguma coisa para gerenciar ativamente seus portfolios, estudando com quem estão criando laços de fato mais fortes e mais fracos. Esse balanço depende diretamente das condições de mercado e dos recursos à disposição e pode ser determinante para garantir um lifetime value saudável.
Crescer um portfolio de clientes não é uma tarefa fácil. Requer investimentos contínuos e muitas vezes significativos ao longo de uma gama de tipos de clientes. Além disso e talvez até mais importante, requer estudos estratégicos para entender quando e como investir, abordar, apoiar e se aproximar de cada tipo de cliente.
A maioria das empresas peca quando se fala nesses estudos estratégicos. É comum que líderes foquem (erroneamente) só nas vendas atuais ou nos clientes mais valiosos, sem que haja uma visão objetiva a longo prazo desses dados. É necessário que se olhe, portanto, para todos os lados: dos piores aos melhores clientes, desde o início do negócio até os tempos atuais. Somente assim será possível entender e responder alguns questionamentos que são a chave para o sucesso em satisfação do cliente e uma relação duradoura.
Um artigo do MIT Sloan Management Review cita três perguntas centrais para como otimizar o portfolio de clientes de uma empresa:
- Quão central é, para a estratégia da empresa, fortalecer os laços com os consumidores e o quanto isso representa uma vantagem competitiva? E mais especificamente, quando e como deve-se investir em relações mais distantes para torna-las mais próximas?
- Como alavancar esses investimentos depois que as relações são criadas?
- Como proteger essas relações para minimizar a taxa de churn?
O framework de CPM (customer portfolio management) criado pelos autores permite responder todas essas perguntas e se apoia em um princípio fundamental: A estratégia de marketing de uma empresa deve visar o investimento a longo prazo em fortalecer esses laços ao invés de focar apenas em adquirir novos clientes. O cerne desse framework é a segmentação dos consumidores de acordo com o nível de relacionamento – de estranhos a conhecidos a amigos e, finalmente, parceiros.
Já o modelo de CPLV (customer portfolio lifetime value) apresentado por eles mostra como esse relacionamento com o consumidor se relaciona com a proposta de valor da empresa, prevendo a reveita futura proveniente de – e os gastos associados a – diferentes segmentos de relacionamento. Essas previsões são baseadas em um conjunto de parâmetros que inclui o crescimento de mercado ao longo do ciclo de vida de um produto, vantagens do relacionamento e alterações em custos e probabilidade.
O artigo completo que levou a esse framework está disponível aqui. Os autores então identificaram três metas claras para uma estratégia de growth baseada no CPM: Conversão de relacionamentos, Alavancagem de relacionamentos e Defesa dos relacionamentos.
Conversão de Relacionamentos
É basicamente o processo de transformar estranhos em conhecidos, conhecidos em amigos, e amigos em parceiros, da mesma maneira que nós fazemos na nossa vida pessoal. Do ponto de vista da marca, isso cumpre dois objetivos muito estratégicos: Primeiro, a lealdade do consumidor aumenta, bem como o seu ticket médio. Segundo, a adição ao portfolio de novos clientes cujo relacionamento é mais fraco provê uma base de futuros clientes leais e economia de escala.
A percepção do valor da marca aumenta conforme os laços se tornam mais fortes.
- O estranho não possui familiaridade com a marca, muito possivelmente nunca ouviu falar dela e nem a considera uma opção.
- Um conhecido enxerga a marca como ‘mais uma entre muitas’, e tende a consumir se baseando na disponibilidade, familiaridade e, sobretudo, preço.
- O amigo já tem uma conexão maior com a marca, enxergando mais qualidades e autenticidade, e tende a comprar diversas vezes mesmo que o preço seja maior do que a média dos concorrentes.
- Parceiros são clientes que têm uma relação ativa com a marca. Eles estão praticamente dispostos a trabalhar com a marca para desenvolver soluções customizadas e tendem até mesmo a mudar seus próprios comportamentos para se adequar ao sistema da marca.
Cada um dos níveis de reconhecimento exige estratégias diferentes.
Converter um estranho para conhecido é o que todo mundo tenta no começo, basicamente, criando awareness, chamando a atenção e mostrando que a marca existe. Um dos jeitos mais conhecidos de fazer isso é oferecer um produto ou serviço teste, de graça, para tentar incentivar a primeira compra. Nessa etapa, anúncios com alcance genérico, para públicos abertos e a distribuição do produto em locais onde ele não estava presente são essenciais. Conforme o mercado se desenvolve e fica mais heterogêneo, segmentar o público, criar uma diferencial e se posicionar melhor ganham importância, especialmente quando se fala em atingir o consumidor de outra marca concorrente.
Converter um conhecido em amigo já é um passo além. Exige de fato apresentar as qualidades da marca, exacerbar os diferenciais. Aqui já existe uma atenção maior ao lifetime value e a empresa deve se atentar ao share of wallet (quanto o cliente gasta, do orçamento pessoal, com a sua empresa).
É importante mostrar para o consumidor que a sua marca tem mais valor do que as concorrentes, ao invés de ter o mesmo valor.
É aqui também que a marca deve mostrar que tem uma proposta de valor que se conecta com as necessidades e valores do cliente. Isso exige um conhecimento muito profundo da heterogeneidade de demandas dos consumidores. Entender que nem todos os seus clientes têm as mesmas dores, desejos e necessidades é o que permite essa aproximação.
A conversão de amigos em parceiros se dá pelo incentivo aos consumidores que se adaptem e invistam ainda mais na marca. Customizar mais a fundo a proposta de valor de acordo com os grupos de clientes e reduzir os custos do cliente ajudam a defender essa base leal das investidas de concorrentes, além de fornecer a base necessária para criar extensões de marca. Esse processo é cada vez mais importante com a digitalização da jornada dos clientes, e requer a confiança dos clientes para compartilhar dados sensíveis. Investir em plataformas user-friendly e sistemas de tecnologia da informação de fato funcionais (e úteis) é importantíssimo nesse momento. São essas parcerias e os dados que esses clientes mais próximos nos fornecem que permitem a inovação assertiva e valores (não monetários) customizados para cada cluster.
Isso tudo não significa que a empresa deve se esforçar para converter todo cliente em um amigo ou parceiro.
Entender essa heterogeneidade envolve também entender que nem todo cliente busca esse laço quase afetivo com a marca. Alguns só precisam do serviço bem feito, sem enrolação.
Por outro lado, essa heterogeneidade também é uma oportunidade para fazer os clientes que querem essa conexão se sentirem ainda mais especiais. São eles que, na maior parte das vezes, vão espalhar a sua marca de maneira orgânica, trazendo ainda mais clientes para dentro, aumentando (e protegendo) o market share, diminuindo custos com marketing e pagando mais caro por serviços exclusivos.
O exemplo dos hotéis
O mercado de hotelaria é, talvez, o melhor exemplo disso. Até pouco tempo atrás, os intermediários como Hurb, Decolar ou Kayak, além dos provedores alternativos, como Airbnb ou Hostelworld, representavam mais de metade das reservas. Por um lado, era conveniente para os hotéis, que tinham canais diversos para alcançar os clientes. Por outro, aconteceu uma erosão nas relações com o consumidor que não era prevista. O número de amigos e parceiros de hotéis caiu vertiginosamente.
Duas das redes mais importantes de hotéis do mundo, Hilton e Marriott, responderam de duas maneiras: primeiro, começaram a aumentar o portfolio de marcas e localidades num ritmo absurdo, na maioria das vezes por fusão e aquisição (M&A). A Marriott se fundiu com a Starwood, por exemplo, e agora é dona de mais de 30 marcas, com foco em segmentos muito variados de mercado. Além disso, ambas investiram pesado em melhorar as próprias plataformas digitais e os programas de fidelidade. No fim, ambas mais que dobraram as reservas de clientes muito fiéis através das plataformas próprias.
Esse tipo de estratégia melhora o controle de caixa, o poder de decisão de preços e, principalmente, a saúde financeira da empresa. De quebra, ainda converte clientes que não tinham uma relação tão boa com a marca em clientes fiéis, aumentando o lifetime value.
O exemplo das commodities
Por outro lado, quando se fala em produtos ou serviços relativamente comuns, como commodities ou serviços essenciais, como telefone e internet, o cenário é outro. Aqui o que dita o ritmo é a capacidade de se manter competitivo em termos de preço e disponibilidade. Pro cliente, tanto faz se seu posto de gasolina é lindo e tem um banheiro limpo. O que interessa, no fim, é o preço do litro de gasolina. E aí ter um portfolio composto quase que 100% de clientes com uma relação mais distante é o mais lucrativo, tendo em vista o esforço para converte-los em clientes mais próximos. No fim, o lifetime value depende muito mais da sua capacidade de se manter competitivo do que de criar uma sensação de exclusividade.
Alavancagem de relacionamentos
A oportunidade de alavancar os investimentos existe em qualquer nível de relacionamento. Investir na familiaridade e reconhecimento da marca entre estranhos, é a fundação para estabelecer um primeiro contato. Melhorar as estratégias de precificação ou distribuição aumenta a frequência e escala para conhecidos. Inovação e melhoramento contínuo dos produtos e serviços aumenta a diferenciação, frequência e margem de lucro para amigos. Extensões de marca, pacotes com preços melhores e ofertas exclusivas aumentam a velocidade de inovação e diminuem os custos de marketing entre parceiros.
Geralmente se vê as extensões de marca como uma oportunidade de diminuir custos de produção, aproveitando processos e linhas de produção para entregar um produto ou serviço novo. Mas na maior parte das vezes, um fator crucial é ignorado: isso tudo diminui (e muito) os custos com marketing e divulgação.
Quem faz isso com primor é a Amazon. Clientes Prime têm uma tendência maior de comprar as recomendações que a própria Amazon dá quando se adiciona um produto ao carrinho, diminuindo drasticamente os custos com marketing para trazer esse mesmo consumidor de volta ao site (ou aplicativo).
Um serviço bem prestado ao longo de todas as extensões representa um fator crucial para aumentar o lifetime value substancialmente. Entender o ciclo de vida dos produtos, nesse caso, é essencial para saber quando e como oferecer uma extensão de marca para os seus clientes, e para quais oferecer.
Defesa dos relacionamentos
Usar um CRM para melhorar a relação com os clientes é praticamente essencial hoje em dia. No entanto, os gestores continuam se surpreendendo toda vez que tomam um churn. Alguns churns são inevitáveis: pode ser o cliente mais leal, se a necessidade, preferência ou situação de mercado dele mudar, ele vai sair. Mas, de qualquer forma, o churn continua muito maior do que deveria ser na maioria das empresas.
Boa parte disso se deve a um investimento menor do que o necessário em sistemas de informação e análise de dados para entender a relação com o cliente (esse inclusive foi parte do tema do post anterior aqui). A maioria das empresas, e isso é muito preocupante, nem entende por que as pessoas compram delas, ou por que as pessoas param de comprar. Elas também são, na maioria das vezes, incapazes de entender qual foi a reação dos clientes quando um serviço ou produto mudou. O resultado disso é que a maioria não sabe como proteger sua relação com os clientes dos concorrentes.
Para se defender do churn (e esse é um passo essencial para aumentar o lifetime value dos clientes, obviamente), é preciso entender duas coisas: Impacto e Performance. Primeiro elas precisam entender o impacto estatístico de variações na qualidade e preço de produtos e serviços, tanto na satisfação e comportamento dos clientes, quanto na performance financeira da empresa. Segundo, elas precisam ser capazes de determinar quão bem os produtos e serviços performaram (de novo, em qualidade e preço) tanto em valores absolutos quanto em comparação com os concorrentes.
Mais a fundo ainda, é preciso entender quais foram essas variações e performance dentro de cada segmento de relacionamento e dentro de cada cluster dentro desses segmentos.
Fazer essa análise vai revelar os seguintes dados:
- Vantagens competitivas que devem ser mantidas e melhoradas para reter e converter os clientes (qualidades de alta performance e alto impacto);
- Vulnerabilidades que precisam de atenção imediata para evitar churns (qualidades de alto impacto e baixa qualidade);
- Qualidades de produtos e serviços que devem ser mantidas ou que precisam de investimento para diminuir custos (qualidades de baixo impacto e alta performance);
- Qualidades de produtos ou serviços que podem ser ignoradas ou eliminadas (qualidades de baixo impacto e baixa performance).
Um entendimento bastante detalhado da variação em qualidades de performance e suas consequências permite que as empresas apontem com precisão a causa de churns. Assim, quando essas causas são conhecidas, entram em ação respostas, nos produtos e processos, que geralmente abrangem mudanças funcionais e operacionais.
Afinal, o gerenciamento do portfolio depende diretamente de criar uma relação com novos clientes, usando o histórico como exemplo para maximizar o lifetime value.
Criar metas específicas de conversão de relacionamento, alavancagem e defesa, é o caminho natural, mas é necessário um entendimento profundo da heterogeneidade das necessidades dos clientes conforme elas surgem com o tempo e com a escala do negócio. Quanto maior a heterogeneidade, maior o valor a longo prazo de relações mais próximas. Quanto maior a economia de escala, mais importante incluir relações mais distantes no portfolio para diminuir custos e criar uma base para clientes leais no futuro.
Assim, as empresas precisam de duas coisas para se informar e agir: Sistemas de informação sobre os clientes que revelem o impacto e performance das qualidades da marca e de custos para guiar a conversão de relacionamentos, alavancagem e defesa dos mesmos; e alinhamento através de toda a organização, em torno do princípio do CPM para garantir que todas as estratégias sejam vistas como um investimento integrado nesses relacionamentos.
O CPM permite uma abordagem integrada que equilibra prioridades conflitantes, sobretudo os rendimentos futuros derivados de investimentos em relações mais próximas com o cliente versus a economia de escala das vendas atuais. Essa abordagem requer, no entanto, uma consideração delicada das condições do mercado e da empresa. Faça esse trabalho bem feito e vai ser recompensador agora e no futuro.