Por que Google, Adobe, L’Oréal e Samsung, por exemplo, estendem suas marcas através de várias categorias de produtos enquanto P&G, Unilever, Mondelez e Pepsico mantêm dezenas, quando não centenas, de marcas diferentes?
A resposta está nas Estratégias de Portfólio e Arquitetura de Marca.
Existe certo ou errado nessas abordagens? Obviamente, quando a gente lembra que essas são algumas das maiores empresas do mundo, fica claro que não.
Mas existem algumas boas práticas que são comuns na hora de estruturar um portfólio e pensar na arquitetura de marca de uma empresa.
Arquitetura de Marca e Estratégia de Portfólio de Marca são dois termos cruciais para a percepção de valor de uma empresa.
O aumento do valor percebido da empresa como um todo reflete diretamente no aumento do valor percebido dos produtos e serviços em si.
Ao mesmo tempo, esse valor é percebido através de awareness, distintividade, probabilidade de compra e associações únicas, características que precisam ser transmitidas pelos produtos e serviços.
É aí que entram a arquitetura de marca e o portfólio:
A estratégia de portfólio de marca envolve o design, implantação e gerenciamento de múltiplas marcas dentro de um portfólio coordenado e conectado, com um significado comum, que atendam as necessidades de clientes diversos (é por causa dessa diversidade, no fim, que se cria mais de uma marca), diminuindo riscos e maximizando o retorno.
É o portfólio que define quais marcas devem, então, ser mantidas para se obter uma cobertura de mercado que faça sentido, com uma sobreposição mínima entre as marcas (para evitar a canibalização de vendas, por exemplo).
Assim, cada marca se torna uma peça em um quebra-cabeça, cada qual com um escopo e um papel no mercado.
Se bem feito, o portfólio inclusive auxilia na hora de decidir onde alocar investimentos, identificar marcas que não estão performando bem e encontrar nichos de mercado que ainda não estão sendo atendidos.
A Arquitetura de Marca fornece um ‘mapa’ das relações entre as marcas, refletindo e facilitando a implementação das estratégias da companhia.
Ao entender o papel de cada uma delas na estratégia do negócio, fica mais fácil entender como deve ser a hierarquia entre as marcas: alguma delas deve ser retirada de um mercado em favor de outra? Existem marcas que devem ser visualmente representadas e comunicadas em conjunto?
Além disso, ela serve muito bem os propósitos de comunicação interna: com uma arquitetura robusta, fica mais fácil entender sob qual marca um produto deve ser lançado e, de novo, ajuda a entender onde alocar recursos.
Por isso, ela deve ser clara, lógica e simples – funcionários e clientes devem entender rapidamente quais produtos ou serviços atendem uma necessidade específica.
Equilibrando riscos e retornos através dos ativos
Marcas são ativos cujo valor deriva diretamente do significado que trazem para a vida dos clientes por meio da aquisição e uso de seus produtos e serviços.
Com isso em mente, gerenciar um conjunto de marcas requer o gerenciamento de um portfólio.
O que isso significa? Basicamente, significa que você precisa ter as habilidades para conceber, combinar e administrar os ativos dessas marcas de maneira a criar uma sinergia e diminuir atritos entre elas.
Assim você aumenta os retornos (vendas a curto prazo e, a longo prazo, equity) e diversifica os riscos.
Existem, para isso, alguns modelos de portfólio:
- Monolítico
- Marcas Independentes
- Marcas Endossadas
- Híbrido
Estratégia de Marca Monolítica
Consiste em uma marca que é usada em todos os produtos e serviços oferecidos pela companhia. A maioria das empresas que seguem essa estratégia usa o próprio nome corporativo como unificador e concentra todos os seus esforços de construção de marca sobre ele.
Talvez os dois melhores exemplos aqui sejam a Yamaha e a Alphabet.
Quem conhece a Yamaha sabe que eles fazem instrumentos musicais, caixas de som, motor de barco, moto, gerador…
A Yamaha é o que pode ser chamado de Branded House. Essa estratégia tem uma vantagem econômica muito simples e clara: o marketing de qualquer produto ‘espirra’ nos outros, aumentando o awareness.
Isso permite diluir o investimento em branding ao longo de todo o portfólio.
Já a Alphabet, empresa dona do Google, passou a adotar uma estratégia diferente: oferece serviços como o próprio Google, Google Maps, Google Drive, Google Wallet, Google Earth… Nesse caso, cria-se uma família de marcas (Google), distinta da empresa-mãe (Alphabet).
Isso isola a marca da companhia e permite que ela tenha uma identidade própria.
A vantagem aqui é bem óbvia, né? A cadeia de produção é simplificada, novos produtos são muito fáceis de adicionar ao portfólio, minimizando o custo de criação e lançamento de novas marcas; Todos os esforços de branding são concentrados e focados; Se existir uma sinergia através da marca (e ela deve existir nesse modelo), a clareza e consistência é visível para o consumidor.
Mas, ao mesmo tempo, portfólios monolíticos aumentam o risco devido ao uso da marca compartilhada.
- Existe o risco de reputação, em que caso um dos produtos ou serviços seja problemático, todo o portfólio é impactado imediatamente.
- E o risco de diluição, em que, caso a marca se espalhe por muitas categorias diferentes, ela começa a perder identidade e força. O significado da marca fica mais confuso, menos distinto, e a marca perde em diferenciação.
Estratégia de portfólios de marcas independentes (ou House of Brands)
Nesse caso, o nome da empresa não é usado como uma marca. Ao invés disso, nomes de marcas individuais são criados para marcar diferentes produtos, linhas ou gamas e o nome da companhia não aparece ou é minimizado.
Assim cada marca existe em sua própria ‘casa’, o que limita as oportunidades de sinergia. Talvez os exemplos mais famosos aqui sejam P&G e Unilever.
A P&G mantém, mundialmente, mais de 380 marcas. São dezenas de marcas de sabão para roupas (Tide, Ariel, Bold, Cheer, Gain…), cada uma focada em um público específico, por exemplo.
Mas manter um portfólio complexo como esse não é uma tarefa fácil.
A própria P&G vendeu, em 2014, mais de 100 marcas para se concentrar nas mais rentáveis. Isso porque lançar uma marca em um mercado muito competitivo, a exemplo dos que a P&G atua, costuma custar dezenas de milhões de dólares (e boa parte das marcas acaba dando errado).
Por isso é importante avaliar, antes de adotar essa estratégia, o capital disponível para investimento em novas marcas.
Como elas não conversam entre si, cada marca precisa se desenvolver sozinha, muitas vezes sem a associação com a companhia.
Mas também existem vantagens nessa estratégia: ao usar mais de uma marca, é possível abordar mercados completamente distintos, criando a oportunidade de diferenciação.
Cada marca pode contar uma história única, que ressoe com o público-alvo, dando a oportunidade de customizar ao máximo a abordagem.
Além disso, essa é a melhor estratégia para abordar diferentes públicos dentro de uma mesma categoria de mercado, como a AmBev faz, por exemplo.
Com várias marcas fortes, você ocupa um espaço valioso que, caso contrário, seria ocupado por um concorrente. Muitas vezes um cliente troca de marca sem nem saber que está comprando da mesma companhia.
Em oposição a um portfólio monolítico, aqui os riscos são diluídos por todo o portfólio. Os riscos à reputação só afetam toda a companhia em casos gravíssimos e, como cada marca conta uma história, o risco de diluição é praticamente inexistente.
Mas isso não significa que não existam riscos. Aqui eles são dois:
- Risco de canibalização: A substituição de marca intra-companhia é um risco grande quando se oferece mais de um produto numa mesma categoria. Ainda no caso da AmBev, estudos cuidadosos precisam ser feitos para que, por exemplo, a Brahma conquiste market share que pertence a uma concorrente, e não da Skol ou Antártica.
- Risco de extensão de marca: Conforme cada marca conta uma história mais específica, o negócio perde flexibilidade para estender essa mesma marca para outros produtos ou públicos, limitando as possibilidades de crescimento.
Estratégia de portfólio de Marcas Endossadas
Estratégias de Branded House, citadas nas marcas monolíticas, são raras. A maioria das empresas que associa o próprio nome a um portfólio faz isso através de uma dessas duas estratégias: sub-branding ou marcas endossadas.
Assim, cria-se um tipo diferente de portfólio multimarcas, compiladas para combinar a eficiência de custos da Branded House com a diferenciação de significados e diversificação de riscos da House of Brands.
Apesar das mudanças nos últimos anos, a GE de 10 anos atrás continua sendo um bom exemplo dessa estratégia.
Eles possuíam um portfólio muito variado, mas sempre associando o nome da empresa a um descritivo dos produtos (GE Aircraft Engines para o motores de aviação; GE Monogram para produtos para casa; Current, powered by GE, para a consultoria de energia).
O sub-branding envolve juntar a marca da empresa ou de um grupo com uma sub-marca, em uma relação onde ambos trabalham em conjunto para criar e comunicar um sentido.
Sub-marcas ajudam a modificar o significado da marca-mãe para um contexto particular ou sinalizar algo que é especial ou diferente dos outros produtos da empresa.
A Samsung, por exemplo, emprega sub-marcas em televisões de maneira discreta (Neo QLED na linha mais premium, Crystal na linha de entrada, The Frame na linha mais focada em design), mas usa uma sub-marca fortíssima em aparelhos mobile: a Galaxy.
A Galaxy começou como a linha premium de smartphones da Samsung. Hoje, a sub-marca é adotada em todos os produtos que fazem parte do ecossistema: Smartphones (dos mais baratos, M, aos mais premium, Z), smartwatches, fones de ouvido e notebooks.
No caso do sub-branding, ambas as marcas dividem a responsabilidade e podem operar em pé de igualdade ou não, dependendo de qual é mais influente na tomada de decisão.
Mas a importância do ponto de vista de posicionamento das duas é a mesma.
Marcas endossadas, por outro lado, se apoiam na marca-mãe para autenticar uma outra marca e reafirmar a credibilidade, qualidade, confiabilidade e outras características que diminuam o risco e a dúvida para o consumidor.
Aqui, o nome da companhia assume um papel de coadjuvante para que a sub-marca possa brilhar. O iPhone (ou qualquer outro produto da Apple), em paralelo com a Galaxy, se utiliza dessa estratégia.
O logo da Apple é visível tanto na caixa quanto no aparelho em si, mas os nomes iPhone e Apple se distanciam, criando um sistema de significado próprio do iPhone.
No caso da Apple, endossar foi a estratégia perfeita, porque eles ainda não tinham experiência no ramo de celulares, mas a empresa já tinha a qualidade atestada em outras áreas relacionadas.
Com isso, o consumidor estranha menos a aventura em um novo setor.
Tanto o sub-branding quanto endossar aumentam o risco do portfólio. Quando marcas são associadas em um mesmo portfólio, cada uma delas está vulnerável aos riscos associados com todas as outras.
Quando uma delas passa por um evento negativo, isso traz o potencial de associação com toda a rede do portfólio. O quanto essa associação terá efeito, obviamente, depende do nível de percepção de quão relacionadas todas elas estão e a direcionalidade dessa relação.
O parentesco, nesse caso, é medido pela associação entre as marcas na memória coletiva dos consumidores. Aqui entra a arquitetura de marca e atividades de marketing que correlacionam os produtos ou serviços.
O sub-branding geralmente traz uma associação mais forte entre as marcas do que o sistema de marcas endossadas e, além disso, ecossistemas com menos marcas tendem a causar uma associação mais forte entre elas.
Qual estratégia de portfólio de marca usar, afinal?
As quatro estratégias de portfólio podem ser vistas como um espectro, definido pelas conexões ou divisões entre as marcas. Numa estratégia de House of Brands, marcas e produtos estão, normalmente, pouco conectados, enquanto no sub-branding essa relação é mais presente.
Por fim, em uma marca monolítica, todos os produtos compartilham uma mesma marca.
Mas, se você chegou até aqui esperando uma resposta sobre qual se aplica melhor à sua empresa, eu tenho uma notícia ruim: depende.
Na teoria tudo é lindo e muito certinho. Na prática, existe uma infinidade de nuances a serem analisadas e a verdade é que, hoje em dia, quase toda grande empresa cai em uma categoria chamada híbrida.
E isso significa exatamente o que você está pensando: é normal misturar algumas (ou todas, mais raramente) estratégias de portfólio de marca.
A Unilever opera majoritariamente como uma House of Brands, sobretudo como shadow endorser, deixando a marca deles presente de maneira absurdamente ínfima, seja na própria embalagem do produto (aquele U bem pequeno perto dos componentes), seja na comunicação da própria Unilever, e não da marca endossada.
Mas em 2013 eles lançaram o Project Sunlight, numa tentativa de motivar as pessoas a adotarem estilos de vida mais saudáveis.
O próprio David Aacker, um dos criadores desse framework, assumiu no livro ‘Brand Portfolio Strategy’:
Praticamente todas as organizações usam uma mistura das quatro rotas de branding no espectro de relações de marcas. Um portfólio monolítico ou uma Branded House pura são raros… O desafio não é criar uma Casa de Marcas, mas uma ‘vila’ onde todas as submarcas e marcas se encaixem e sejam produtivas.
As estratégias e subestratégias no espectro de portfólio nunca tiveram a intenção de descrever todo o sistema de arquitetura de uma marca, no fim. Elas devem servir como um caminho para que se pense sobre cada marca, individualmente, dentro de um ecossistema.
Então, ao invés de se perguntar qual se encaixa melhor no seu sistema, faça as seguintes perguntas:
- Como você torna uma marca grande sem perder o que a torna especial?
- Como usar o branding a seu favor, para garantir o maior retorno possível dos seus investimentos em marketing?
- O quanto você consegue estender uma marca sem descaracterizá-la?
- Como atender as necessidades e vontades de diferentes públicos sem diluir os seus ideais?
- Como direcionar as pessoas para as partes da sua marca que elas mais vão gostar (e que mais vão te trazer retorno)?
- E, por fim, para marcas corporativas, como balancear a unidade da marca com a autonomia de diferentes setores?
Uma boa arquitetura de marca deve abordar a maioria desses pontos, quando não todos. Por isso, esse é um dos meios mais poderosos através do qual uma marca cria valor.