Elon Musk comprou o Twitter. O que isso significa?
Agora faz alguns meses que o Elon Musk comprou, por 44 BILHÕES de dólares, o Twitter. E tem sido uma grande doideira! Até o momento, ninguém sabe direito a resposta pra pergunta acima.
As primeiras semanas foram agitadas. Começaram com uma demissão em massa, além de saídas de pessoas que discordavam da filosofia dele, deixando a empresa com praticamente metade do número inicial de funcionários.
As mudanças no selo de verificação foram implementadas e quase no mesmo minuto removidas. Depois voltaram, mas agora tem cores que ninguém nem sabe o que significam.
Uma nova visão de negócio, sobre como criar uma plataforma de pagamentos interna, em que as pessoas movimentem dinheiro, chegou a ser proposta. Pra deixar a coisa ainda mais complicada, o Twitter começou a desbanir contas suspensas (incluindo o Trump). Mas o discurso de liberdade extrema só dura até alguém (o Alexandre de Moraes, no caso do Brasil) mandar o contrário. Aqui, Monark, Nikolas Ferreira e outras pessoas que apoiaram os atos terroristas de Brasília foram suspensos.
Toda essa movimentação deixou os anunciantes muito preocupados, a ponto de, no começo da copa, que historicamente é um período ótimo pro twitter, a receita de anúncios estar 80% abaixo do previsto. Lembrando aqui que os anúncios são responsáveis por 90% das receitas do Twitter.
O que Steve Jobs, Apple, Elon Musk e Twitter têm a ensinar
A história nos diz que mudar a estratégia de uma empresa muito consolidada costuma ser catastrófico: Uma pesquisa da McKinsey cita que isso dá errado 70% das vezes. Como isso pode dar certo, então?
Existe um exemplo muito famoso, e ele é a base desse artigo da HBR: A volta do Steve Jobs pra Apple em 97, que também não foi nada fácil. Foi caótico, na verdade. Mas parece que deu certo, né?
E esse exemplo não serve só pro Elon Musk. Ele serve pra qualquer executivo que queira mudar os rumos de uma empresa. O primeiro passo, e talvez o mais crucial, é o seguinte:
A estratégia como alinhamento a longo prazo
O que é uma estratégia eficiente? Se a gente pensar da maneira mais simples possível, ela é basicamente tomar várias decisões em cadeia, que façam sentido e estejam alinhadas entre elas, com uma visão a longo prazo do que é melhor pra empresa.
O alinhamento nesse caso é a consistência entre todas as decisões, pra que elas se encaixem num objetivo final.
Isso tem muito a ver com todos aqueles pilares que geralmente as pessoas meio que esquecem, sabe? Visão, missão, propósito… TODA decisão tem que visar uma melhoria na empresa, de acordo com esses pilares.
E aí vem o que muita gente C-level esquece: Não adianta nada você ter uma estratégia em mente se o seu funcionário não tá alinhado com o propósito.
No caso do Twitter, todo mundo lá dentro estava absolutamente alinhado com a estratégia antiga da empresa.
Se você é usuário do Twitter, você sabe qual era o foco da empresa desde o começo: Simplicidade. O tweet sempre foi o foco da plataforma e, se uma pessoa lá de 2006 tivesse acesso ao Twitter de hoje em dia, ela não ia nem estranhar muito. Ia, no máximo, achar que atualizou bastante a interface de uma vez, mas a essência é a mesma. A simplicidade já estava enraizada na cultura da empresa.
Lógico que isso tem um lado negativo: Essa obsessão pela simplicidade fez com que o Twitter fosse a rede social mais lenta em termos de se atualizar. Eles compraram 60 empresas, como a Squad, Breaker, Revue… E eu tenho certeza que eu poderia citar as 60 que você não ia fazer ideia. Talvez você lembre do Vine, precursor do Tik Tok e só. E adivinha o que aconteceu com o Vine? Pois é…
Na opinião do Elon Musk (e de muita gente), isso estava matando o Twitter. Mas essa foi também a causa de boa parte dos empregados ter saído assim que ele foi vendido.
Mas, então, como mudar?
É doloroso. Mas precisa ser que nem arrancar band-aid: Quanto mais você prolonga, mais dói. E é justamente nisso que a maioria dos líderes erra: Na tentativa de aliviar um pouco, eles acabam deixando todo mundo empurrar com a barriga e esse período de transição se alonga dolorosamente.
Nisso o Steve Jobs brilhou. Quando ele saiu em 1985, a estratégia era vender computadores sem graça, daqueles que pareciam um caixote cinza, mas com o preço competitivo. Quando ele voltou em 97, a proposta foi uma só: produtos fáceis de usar e esteticamente agradáveis. Que deu certo todo mundo já sabe. Mas o que ele fez pra dar certo é o pulo do gato.
A sugestão (ou ordem) foi abandonar 70% dos produtos que estavam em produção e lançar o icônico iMac G3. Aquele, do formato de ovo, translúcido, com um monte de opção de cor. A decisão foi tomada quando o Steve Jobs viu a quantidade de opções de configuração do mesmo modelo de computador. Eram mais de 12 versões do Macintosh.
Quando ele perguntou ao board executivo ‘Qual deles eu devo sugerir que um amigo compre?’ e ninguém soube responder de forma direta, a decisão foi tomada.
Imagina só você sugerir sair disso aqui:
Direto pra isso aqui:
Ele foi criticado, viu a receita da Apple minguar, perdeu metade dos empregados e todo o board executivo. Em 1997, ano em que ele assumiu, a Apple teve um prejuízo de US$1.04 bi. Um ano depois, eles fecharam o ano fiscal com lucro de US$309 milhões.
É mais ou menos o que o Twitter tá passando, e é nessas horas que a gente vê quem é realmente um gênio e quem é só lunático.
E pra garantir que a empresa vai conseguir passar por esse período caótico, é preciso ter sucesso em três áreas: Produtos, Organização e Stakeholders.
Começando pelos produtos
Implementar uma estratégia requer que a gente mude os produtos atuais pra se alinhar com a nova proposta de valor. Mas a gente sabe que é inevitável que essa mudança cause um conflito entre a proposta antiga e o nova.
Um exemplo disso é o selo de verificado do Twitter: ele foi criado pra distinguir perfis reais de fakes, e acabou virando um símbolo de influência.
A nova proposta é que ele vire um símbolo de uma assinatura, um membro premium, que tem benefícios como menos anúncios e acesso antecipado a funções novas.
Essa mudança afeta diretamente como os usuários percebem o significado do selo de verificado, e isso causou tanta confusão que o Elon Musk voltou atrás no mesmo dia.
Alinhar um produto com uma estratégia nova requer que os líderes identifiquem novas propostas de valor e se comprometam com mudanças substanciais nas linhas de produto. Eles precisam passar uma mensagem clara.
A Apple fez isso do jeito mais radical possível em 98: Eles abandonaram 70% dos produtos da linha da época e soltaram logo aquele iMac que hoje em dia é um clássico, que tinha formato oval, com a carcaça translúcida de várias cores, bem anos 90.
Eles passavam uma mensagem muito clara: a Apple tinha abandonado a ideia do custo-benefício, e queria vender um produto bonito, com um design inovador.
Junto com isso, eles fizeram uma campanha de 100 milhões de dólares, gigantesca e icônica.
Pro Twitter, essa solução precisa ser muito clara. A ideia agora é que existam cores diferentes de selinho, cada uma representando uma coisa, mas nem nisso eles conseguiram chegar num consenso ainda, e muito menos fazer o usuário entender.
Passando pela cultura organizacional
Isso é muito fácil de identificar: quando existe um desalinhamento cultural, as pessoas simplesmente não seguem a direção que os executivos querem, não importa o esforço.
No Twitter, a conclusão em 2021 foi que o ambiente de trabalho era legal demais. Ao contrário do que os usuários tão acostumados a ver na plataforma, em que todo mundo tenta ser o mais tóxico possível, dentro dos escritórios as pessoas eram tão legais que criou-se uma cultura de não criticar nada nem ninguém. Pode parecer bom, mas é péssimo do ponto de vista organizacional, porque sem crítica ninguém muda nem avança.
O Elon Musk gosta de falar que ele é mega hardcore, que a Tesla por exemplo não é pros fracos e que o Twitter ia ser a mesma coisa. Aconteceu que muita gente pediu demissão porque simplesmente não concorda com esse tipo de cultura.
Em 98, o Steve Jobs disse que a Apple tinha uns 10 mil empregados medíocres que precisavam ir embora. Ao mesmo tempo, ele fez de tudo pra proteger os times de design industrial. Essa é uma mensagem muito clara de que o foco agora era o design dos produtos.
No caso do Twitter, o Elon Musk já decidiu que vai mudar totalmente a cultura. Só tem um problema nisso: ele ainda não decidiu qual vai ser a nova cultura. Todo mundo reclama que ele é enigmático demais e que as mensagens que ele passa quase nunca são claras.
Ninguém sabe direito qual vai ser a recompensa por abraçar a ideia de mudança dele, e isso é perigoso. Desse modo, ele pode acabar perdendo até quem ia comprar a dele por demorar demais pra decidir.
E fechando com os Stakeholders
Essa transição de estratégias, como a gente já viu, deixa muita gente muito irritada. No fim, sobram poucos pra apoiar até que novos apoiadores entrem.
A nova cultura de moderação de conteúdo do Twitter, por exemplo, fez com que uma lista gigante de empresas resolvesse parar de anunciar. A própria Apple ameaçou até tirar o Twitter da App Store. Disney, Verizon, praticamente todas as montadoras de carros, Mars, Kelloggs… A lista é grande.
E a verdade é que, até agora, o Elon Musk fez mais inimigos do que amigos nesse negócio.
Em princípio, a estratégia tá certa: É importante, quando os rumos mudam, que os parceiros comerciais estejam alinhados com os novos objetivos e propósitos. Romper laços com parceiros que não se alinham é tão importante quanto criar novos laços.
De volta pra Apple, o Steve Jobs fez bons amigos e inimigos quando mais importava. Ele sabia que a Microsoft tinha ganho a batalha pelos desktops, e fez tudo que podia pra sair do caminho do Bill Gates na época. Além disso, fez parcerias com lojas de varejo gigantes pra garantir que o iMac fosse vendido pro público certo, que não se importava tanto com o custo-benefício.
No caso da briga do Twitter com a Apple, aliados não faltam pro lado do Elon Musk: A Apple tem brigas antigas com Netflix, Spotify, Epic Games, Facebook (basicamente qualquer empresa que tenha algum esquema de assinatura).
O mais inteligente a se fazer nesse caso é entender quais brigas NÃO comprar.
Pra fechar o assunto Elon Musk e Twitter
O exemplo do Steve Jobs é ótimo porque ele teve que tomar decisões muito difíceis, que na época pareciam loucura, mas que tornaram a Apple o gigante que é hoje. Tomar as decisões com tanta firmeza foi o que deu clareza pros clientes, funcionários e stakeholders.
E é isso que deve ser feito pelo Elon Musk ou qualquer outro dono de negócio que tá em dúvida sobre estratégias.
Nesse tipo de situação, o caos é uma certeza, mas o sucesso é uma possibilidade. A única questão é se a empresa vai aguentar passar pelo caos até chegar no ponto de estabilidade.