Desvendando os segredos da colaboração contínua
Colaboração enquanto valor x enquanto habilidade
Toda empresa tem, na colaboração, um de seus maiores valores. Mas falar é sempre mais fácil do que agir. Isso se deve, em grande parte, justamente porque as pessoas têm o costume de enxergar a colaboração como um valor simplesmente e esquecem que, na verdade, a capacidade de colaborar é uma habilidade como qualquer outra.
Uma pesquisa da Royal Society mostrou que uma das medidas mais comumente adotadas para incentivar a colaboração constante, os Open Offices, que se baseiam em escritórios com mais espaço aberto, bancadas de trabalho compartilhadas e poucas divisórias, na verdade acabou diminuindo a interação cara-a-cara entre os funcionários em 72%.
A verdade é que a colaboração deriva diretamente de alguns fatores:
- Respeito pelos colegas
- Liberdade para experimentar e opinar
- Sensibilidade com relação às consequências das nossas próprias ações sobre os nossos colegas de trabalho
Nesse artigo nós vamos abordar esses três pontos tanto da visão de Francesca Gino, professora da Harvard Business School e autora de livros como Talento Rebelde e À Risca, quanto do que é aplicado aqui na Traction.
Em um artigo da HBR, Francesca cita seis boas práticas para realmente incentivar a colaboração ativa na empresa. Entre eles:
1. Ensine as pessoas a ouvir, não falar
A maioria das pessoas passa muito tempo tentando aprender a falar. Treinando oratória, aprendendo os termos técnicos, preparando discursos, pitches, apresentações. Dessa forma, na maior parte do tempo enquanto um colega fala, o resto da mesa se prepara para falar ao invés de ouvir o que foi dito.
Isso é normal, afinal, todos estamos preocupados com a nossa própria performance e passamos a maior parte do tempo achando que o que nós temos a dizer é mais valioso. Isso, grande parte das vezes, se traduz em tempo perdido, times frustrados e conflitos que podiam ter sido evitados.
Foque no interlocutor (ao invés de focar em você mesmo)
Evite respostas que levem a você ou que façam a pessoa se sentir mal por ter feito algum comentário. Se um colega está legitimamente preocupado ou incomodado com alguma coisa, tente entender o motivo.
Muitas vezes nós sentimos a necessidade de ‘competir’ pra ver quem está pior. É normal e geralmente não é uma atitude egoísta, mas sim uma tentativa de mostrar pra outra pessoa que alguém (você) está pior do que ela. Mas não é assim que o cérebro do interlocutor reconhece esse tipo de atitude. A tendência é que o outro se senta mal por ter reclamado (e não tenha o problema resolvido).
Faça perguntas expansivas
Todo mundo já passou pela situação de tentar contar alguma coisa pra alguém e só receber um sim ou não como resposta. E aí o assunto morre, quem queria contar acaba decepcionado e a outra pessoa nem se atenta a isso.
Incentive seus colaboradores a fazer perguntas abertas, que não encerrem o assunto. Um simples ‘como?’ ou ‘por quê?’ já muda todo o rumo da conversa. Responder uma pergunta com outra pergunta que leve a um sim ou não como resposta também está fora de cogitação.
Se mostrar curioso sobre as ideias e opiniões dos outros é o que move a criatividade dentro de uma empresa. As pessoas gostam de se sentir ouvidas e, mais ainda, gostam de saber que os outros consideram as suas opiniões relevantes.
Acostume-se com o silêncio
Pessoas que amam as próprias vozes têm uma dificuldade muito grande em não ouvi-las. E, quase sempre, mesmo em silêncio elas continuam tentando se fazer ouvir. Gesticular e mudar de expressão facial também é se comunicar e pessoas expansivas não conseguem se conter. Para uma pessoa mais quieta e introvertida, esse tipo de comportamento pode ser tão intimidador quanto ser interrompido por alguém falando.
E como resultado disso, é preciso se atentar ao último ponto da comunicação passiva:
Faça a autocrítica
De nada adianta saber de tudo isso se não for colocado em prática. Dessa forma, o exemplo começa sempre com nós mesmos. Saber fazer a autocrítica é, sem dúvida, parte importante do processo.
2. Treine a empatia e a colaboração
Ter empatia é mais do que o clichê de se colocar no lugar dos outros. É fácil (ou pelo menos deveria ser) se colocar na posição de outra pessoa. Mas não é disso que se trata a empatia, e sim de entender que, por mais que se discorde de alguém, se ela está discutindo com você é porque ela é tão capaz quanto você.
Entender que o outro é tão inteligente e comprometido quanto nós, independente de cargos ou títulos é o que move um ambiente de trabalho de sucesso. Dessa forma, o julgamento dá lugar para a curiosidade e novas possibilidades se abrem.
Quando todos se sentem confortáveis para opinar e desenvolver ideias que podem ser úteis, novos pontos de vista necessariamente serão apresentados e é aí que nasce a inovação.
Na Traction, um dos exemplos máximos de liberdade e horizontalidade nesse sentido são os comitês e grupos de estudos. São grupos abertos para qualquer cargo e a participação é voluntária. Neles, tentam-se resolver problemas, travas e situações com as quais a maioria dos participantes nunca teve contato. No entanto, as soluções apresentadas, talvez justamente por virem de pessoas que não têm contato direto com o problema, costumam ser eficientes. É um exercício de empatia, tanto por lidar com o problema de outros setores, quanto por ouvir a opinião de alguém que normalmente não seria levado a sério para resolver aquele problema.
3. Deixe os outros confortáveis com feedbacks
Ninguém gosta de dar feedback negativo. Mais ainda, ninguém gosta de receber feedback negativo. Mas existem diversas maneiras de tornar isso mais fácil pra todo mundo.
Primeiramente, vamos falar aqui sobre como o feedback é dado na Traction. Nós usamos, além de reuniões semanais de alinhamento dos times, onde todo mundo consegue ter um panorama geral do trabalho, o modelo de reunião one on one. Um modelo bastante adotado desde sempre, é a famosa reunião cara a cara entre líder e liderado. Cada líder adota o tom de conversa que achar que deve, mas, falando por experiência própria, as minhas sempre foram bastante produtivas e esclarecedoras. E é aí que entram as dicas:
Torne o feedback o mais claro, específico e direto possível
Não existe nada pior do que falar com o seu líder e sair da reunião mais confuso do que entrou. Por isso, se você lidera um time, tente sempre deixar tudo claro. Apresente dados, mostre exatamente onde a pessoa errou se for possível. E mostre o caminho para que ela melhore.
Crie a cultura do feedback do feedback
Aqui entra um ponto crucial da minha experiência na Traction. Todo feedback vem acompanhado do feedback do feedback. Entender se o que você falou foi produtivo pro funcionário, se ele captou o que precisa ser feito, onde pode melhorar, é essencial. Da mesma forma que o liderado precisa saber se tem algo a melhorar, o líder também precisa. Um feedback mal dado é pior do que não falar nada, com toda a certeza.
4. Ensine as pessoas a liderar e a serem lideradas
Tão importante quanto saber liderar é saber ser liderado. Entender o momento de ceder a liderança para outro membro da equipe costuma ser a maior dificuldade.
Entender nosso próprio limite, o quão capaz nós somos de liderar, seguirmos ordens, tomar boas decisões e interagir com os outros é o começo. A dificuldade em passar a liderança pros outros vem de muitos fatores: não confiar na equipe; ter medo de falhar (ou medo de que as coisas não fiquem tão boas quanto nós achamos que poderiam); necessidade de sentir que tudo está sob controle…
É preciso entender que essa é uma situação quase paradoxal: se você é um ótimo líder e aquela equipe foi montada por você, então como eles podem ser incompetentes? E, se a equipe nunca trabalhar por conta própria, como eles se tornarão melhores funcionários (e, no futuro, líderes competentes)?
De novo, na Traction, esse é um assunto levado a sério. Por trabalharem em times relativamente pequenos, é preciso confiar plenamente em todos os membros. Ao mesmo tempo, o incentivo a liderar é constante: a noção de que você é o especialista na sua área daquela equipe é reforçada o tempo todo, levando ao crescimento do time como um grupo de fato.
5. Fale com clareza, sem abstrações
Pessoas que se comunicam com clareza são vistas como mais sinceras, honestas e confiáveis. Isso é inconsciente, não dá pra controlar. O que dá pra controlar é se você está sendo claro o suficiente o tempo todo
Essa aqui é bem simples, na verdade: em resumo, use números quando for falar de metas, torne todos os fatos palpáveis e claros, sempre. Embora isso seja impossível da fazer o tempo todo, evitar falas muito abstratas ou ambíguas já é um começo.
6. Treine sua equipe para que todos saiam ganhando na colaboração
O resumo de tudo que foi falado acima é isso: toda situação deve resultar no maior ganho possível para todos os envolvidos.
Ensine todos a fazerem perguntas claras e objetivas, além de escutar o que o outro tem a dizer. Em seguida, pode-se avaliar o que a outra pessoa precisa e apresentar soluções para o problema dela. Entender que nem sempre as nossas necessidades são prioridade para os outros é a chave aqui. E o equilíbrio entre conseguir o que você precisa e o que o outro precisa vem justamente desse alinhamento de expectativas, capacidades e possibilidades.
Assim, a colaboração contínua vira uma situação onde todos saem ganhando, crescem no processo e se sentem confortáveis.