O burnout é, muitas vezes, parte da cultura da empresa.
O Burnout é frequentemente visto como um problema individual. Mas pesquisas mostram que o Burnout no trabalho se deve a condições sistêmicas negativas, como oportunidades desiguais, falta de autonomia ou flexibilidade, sensação de não pertencimento, ou desalinhamento de valores.
De acordo com a Gallup, 76% dos funcionários dizem que já sofreram com Burnout. Se você é um deles e decidiu procurar um novo emprego, como identificar se um potencial empregador tem uma cultura de Burnout? Será que a empresa pensa no seu bem-estar e produtividade? Ou será que você vai acabar exausto e procurando um emprego de novo?
Hoje em dia é fácil conseguir parte das informações necessárias online. Parte disso, inclusive, pode ser encontrada logo no anúncio da vaga. Procure por uma linguagem inclusiva e informações sobre flexibilidade ou trabalho remoto. Além disso, dê uma olhada nos benefícios: a empresa oferece benefícios para pais, algum tipo de auxílio com saúde mental, ou só cumpre o que é obrigada por lei? Você também pode verificar as avaliações da empresa em sites como Glassdoor e LinkedIn, ou se ela está em alguma lista de Melhores Lugares para Trabalhar, no caso de empresas maiores.
No entanto, pode ser difícil saber se o que está disponível publicamente é uma fachada pra disfarçar um ambiente tóxico ou um verdadeiro investimento em sistemas que recompensam hábitos de trabalho saudáveis. Portanto, quem quer tentar uma vaga deve estar preparado para fazer perguntas profundas durante a entrevista e fazer observações pertinentes sobre o comportamento de seus entrevistadores.
Como Detectar Sinais de Alerta de Burnout
A seguir vou falar de alguns sinais a serem observados, perguntas a serem feitas e maneiras de avaliar as respostas durante o processo de entrevista para avaliar se uma empresa tem uma cultura de Burnout, tratando os funcionários como commodities, ou se tem uma cultura centrada no ser humano. As perguntas abaixo mapeiam as seis causas de Burnout identificadas pelos pesquisadores Michael P. Leiter e Christina Maslach.
Falta de Autonomia
Você pode se sentir esgotado quando sente que tem pouca escolha em como e quando trabalha. Líderes em uma empresa saudável confiarão que você consegue fazer o seu trabalho e te darão a autonomia necessária. Para avaliar como uma empresa vê a autonomia, pergunte:
- Eu tenho flexibilidade sobre quando faço meu trabalho ao longo do dia?
- Como são avaliadas suas horas de trabalho?
- Como são atribuídas carga de trabalho e prazos?
- Se o trabalho envolver trabalho por turnos, qual a política de avisos sobre mudanças de horário?
Preste atenção: você está procurando garantir que seu líder seja aberto, flexível e não seja excessivamente controlador. Respostas claras para essas perguntas indicam que as expectativas estão alinhadas em toda a equipe e que os funcionários têm a autonomia apropriada.
A autonomia não deve, no entanto, vir acompanhada da ambiguidade. Não saber exatamente o seu papel na empresa geralmente é sinônimo de sobrecarga de trabalho que, óbvio, pode levar ao burnout. Isso não significa que a flexibilidade seja ruim: ter a opção de escolher os caminhos que você vai percorrer e, principalmente, como, permite que você mesmo alinhe o seu trabalho com os seus valores.
Nesse caso, deve haver um equilíbrio. O controle insuficiente pode deixar o funcionário perdido pela incapacidade de moldar o trabalho de maneira consistente com os valores. Controle demais pode engessar demais esse processo, e acabar frustrando o funcionário.
Falta de Justiça
Quando seu trabalho não é valorizado ou você não se sente tratado de forma igualitária em relação aos seus colegas, é fácil se sentir exausto ou desmoralizado. Para avaliar como a empresa enxerga essa justiça, faça as seguintes perguntas:
- Que tipo de métricas são usadas para medir a performance?
- Como as promoções e aumentos são decididos?
- Existe um processo de revisão da equidade de pagamento?
- A empresa tem algum responsável por Diversidade, Equidade e Inclusão?
- Como são apresentadas as métricas de diversidade?
- A empresa incentiva que os funcionários engajem nessas questões?
Preste atenção: você está procurando sinais de que a empresa tem processos proativos que garantem a equidade. Numa entrevista, tente entender se o entrevistador está sendo sincero e transparente sobre falhas da empresa, e se ele parece interessado em uma melhoria. Se a empresa não coleta essas métricas ou não parece minimamente interessada em mudar, é certeza que esse não é um assunto importante para eles.
O investimento em políticas de DEI, por exemplo, está diretamente relacionado à redução da correlação entre demandas e exaustão. O foco na comunidade afeta a maneira como as pessoas enxergam sua relação com o trabalho. Uma comunidade ativa, responsiva, faz com que a gente enxergue as pessoas que trabalham conosco como colaboradores, no sentido literal da palavra. Se sentir apoiado e sentir que o seu trabalho é remunerado de maneira justa ajuda a combater o sentimento de exaustão, já que todos se sentem mais motivados e seguros.
Carga de trabalho insustentável
De acordo com uma pesquisa da Gallup, funcionários têm 70% menos chances de entrar em Burnout quando têm tempo suficiente para realizar seu trabalho. Acho que isso é uma coisa óbvia que nem precisaria de uma pesquisa, mas sempre bom ter dados.
Para entender o quanto um potencial empregador valoriza o seu tempo dentro e fora do local de trabalho, pergunte:
- Qual a carga horária (e o horário de trabalho de fato) padrão?
- Com que frequência as pessoas precisam trabalhar nos finais de semana?
- Quanto tempo eu vou passar em reuniões? Quando elas são agendadas?
- Qual é o tempo de resposta esperado quando eu for requisitado?
- Posso desativar notificações para ter tempo focado?
- Como vocês priorizam tarefas?
- Como a equipe se comunica quando há muitas tarefas?
- Existem eventos fora do horário de trabalho?
Preste atenção: você está procurando por limites organizacionais para evitar excesso de trabalho. Parece que a empresa tem uma cultura de correria em que todos precisam estar disponíveis 24/7? Você vai precisar realizar muitas tarefas não remuneradas? As reuniões são regularmente agendadas logo cedo, de manhã?
Preste atenção também em como você é tratado durante o processo de entrevista. Seus entrevistadores chegam no horário marcado? Eles estabelecem expectativas e mantêm contato durante todo o processo?
Falta de Recompensa
Todos nós queremos sentir que nossos esforços são bem recompensados, seja através do salário, promoções ou outros incentivos. Para avaliar o investimento potencial do empregador no seu crescimento profissional, pergunte:
- Quais são os critérios e o processo para a promoção?
- Com que frequência as pessoas são promovidas?
- A empresa possui um orçamento para desenvolvimento profissional?
- Vocês oferecem treinamento de liderança?
- Como são designados os mentores?
Preste atenção: você está procurando sinais de que a empresa tem um processo claro e critérios objetivos para a promoção. Você quer saber se existe um mentor disponível para apoiar o desenvolvimento em vez de ser acionado só quando há problemas de desempenho.
Falta de Suporte (e de um senso de comunidade)
Você quer poder trazer seu eu completo para o trabalho e se sentir seguro para contribuir e cometer erros. Se você está gastando energia mudando sua linguagem e tem medo de ser julgado como incompetente por qualquer erro, não tem jeito: uma hora ou outra, pode esperar o burnout.
Para avaliar se você está entrando em uma empresa acolhedora, pergunte:
- Como vocês dão feedback aos funcionários?
- Como vocês lidam com erros na equipe?
- Como vocês garantem que todos contribuam com suas ideias?
- Como vocês gerenciam conflitos?
- Com que frequência vocês têm conversas pessoais com os membros da equipe?
- Como você avaliaria o moral da equipe?
Preste atenção: você está procurando ver se o gerente está aberto a aprender com erros e se ele está interessado em você como pessoa, e não apenas como um ativo. Isso você consegue identificar logo na entrevista: você se sentiu ouvido e respeitado? O entrevistador pareceu interessado nos seus hábitos, interesses e o que você faz fora do trabalho sem soar invasivo? Se houver uma fase seletiva em grupo, é interessante prestar atenção nas outras pessoas interessadas na vaga. Elas pareciam confortáveis, se sentindo seguras?
Tudo isso começa assim que você pisa na empresa pela primeira vez. E aqui é bem fácil identificar problemas pelos relatos de outros funcionários ou ex-funcionários. Geralmente esse é um ponto que as pessoas são extremas: ou reclamam sobre como o ambiente de trabalho era horrível e ninguém se respeitava, ou falam super bem da empresa como um todo.
Valores Desalinhados
Os funcionários podem se sentir desgastados quando seus valores pessoais entram em conflito com os valores da empresa. Para avaliar como um potencial empregador lida com valores desalinhados, pergunte:
- Quais são os valores centrais da empresa?
- Como a empresa integra esses valores no dia a dia?
- Que tipos de projetos e clientes são prioritários?
- Como a empresa se posiciona sobre questões sociais e ambientais?
- Quais são as políticas de responsabilidade social corporativa da empresa?
Preste atenção: você está procurando sinais de que a empresa leva a sério seus valores e está disposta a incorporá-los em sua cultura e práticas diárias. Você também pode pesquisar notícias sobre a empresa para ver como ela lida com questões sociais e ambientais.
Esse é um ponto bastante controverso. Quando a gente fala sobre valores nos posts da Traction no Instagram, por exemplo, sempre surge uma galera falando que isso é balela, que é frescura de quem não quer trabalhar. Eu (e posso afirmar que a maioria da galera aqui, pelo menos) acredito muito que um desalinhamento de valores pode transformar o trabalho numa coisa insuportável.
A gente quer ver sentido no que faz, e quer sentir que fazemos parte de algo maior. Sem um alinhamento claro de valores, parece que tudo que nós fazemos pela empresa é em vão. Então, pelo menos pra mim, encontrar um lugar onde os seus valores são respeitados e fazem parte da cultura da empresa, é essencial.
O que pesar, no fim
Aqui no fim eu quero fazer um adendo: óbvio que nada disso importa se você está desesperado por um emprego. A gente tá falando aqui de pessoas que têm a oportunidade de escolher o que vão fazer e, mais importante ainda, onde vão fazer e por quê.
Mas é sempre bom lembrar que não adianta nada você simplesmente ter um emprego pra sobreviver e passar meses sobrecarregado, desanimado.
Ao avaliar se um empregador tem uma cultura de burnout, é importante fazer perguntas cuidadosas e prestar atenção nas respostas. Seja honesto consigo mesmo sobre suas necessidades e limites e busque um empregador que valorize e invista em sua saúde e bem-estar. Lembre-se de que a cultura de uma empresa pode mudar com o tempo e, portanto, fique atento a sinais de que as coisas estão mudando para melhor ou pior.
Refaça de tempos em tempos essas mesmas perguntas aí de cima para tentar entender onde a empresa (ou você) está errando e o que está te deixando mal. Esse é o primeiro passo para uma vida profissional tranquila, longa e de sucesso.