O que a análise de dados no futebol nos ensina
Eu sei que esse não é o timing ideal para falar de futebol, depois da eliminação amarga do Brasil (um lembrete a possíveis leitores no futuro: esse artigo é de 10/12/2022, logo após a eliminação do Brasil na Copa do Catar). Mas é um momento interessante para falar de um assunto que geralmente é considerado chato de um jeito mais lúdico: análise de dados.
A maioria dos times de futebol hoje em dia tem uma equipe toda dedicada a analisar dados e estatísticas, para entender estratégias, táticas e comportamentos que podem ajudar a vencer cada partida. Tão importante quanto os jogadores de fato, são analistas dedicados a descobrir talentos, jogadores que podem melhorar o elenco, antes que o adversário descubra.
Só aqui já dá pra entender a correlação entre um time de futebol de elite e uma empresa com performance ótima. Mas hoje eu quero ir mais a fundo nesse assunto, mostrando como a tecnologia auxilia num esporte de ponta.
O risco de confiar na intuição
Quem nasceu no começo dos anos 90 que nem eu deve se lembrar da final da copa de 2006 (a da cabeçada do Zidane no Materazzi). Foi uma partida entre Itália e França, e a seleção italiana ganhou nos pênaltis. O Buffon, goleiro da Itália e um dos melhores da história, disse que não tava se sentindo confiante no dia.
Ele mesmo admite que não era uma pessoa que se preparava pra momentos como esse com base em estatísticas, preferindo confiar na intuição. Até o momento em que o Trezeguet, companheiro de time dele na Juventus, foi bater.
Nos treinos, o Trezeguet costumava bater os pênaltis justamente contra o Buffon. Ele sabia como o atacante francês gostava de bater (baixo, na direita) e, por isso, sabia exatamente o que fazer. O Trezeguet foi forçado a mudar de estratégia e acabou chutando no travessão. Foi o suficiente para a Itália conquistar o tetracampeonato.
Aqui o Trezeguet podia fazer o que o deixaria na zona de conforto, batendo como sempre bateu, mas ele sabia que o Buffon pularia no canto direito. Decidiu assumir o risco e acabou perdendo um título. Não fosse contra um companheiro de time, o Buffon poderia muito bem ter errado e a França teria sido campeã. Essa foi uma lição para todos os outros times do mundo: pênalti não é loteria, como todo mundo diz. Existe uma maneira de triunfar num duelo que parece impossível.
E o risco de não confiar na estratégia
Jogos difíceis (leia-se finais) decididos nos pênaltis não são raros. Pelo contrário, eles são bastante comuns. Um exemplo clássico do uso da análise estatística nesses casos é a final da Champions League de 2008 (pouco depois da final fatídica de Copa do Mundo acima). Decidida entre Chelsea e Manchester United, o técnico do Chelsea usou um estudo do economista espanhol Ignacio Palacios Huerta, que criou um banco de dados com milhares de cobranças de pênaltis.
No estudo do economista espanhol, um dado chamava atenção: O goleiro do Manchester United, van der Saar, quase sempre pulava para a direita. Todos os seis pênaltis cobrados pelo Chelsea foram, então, batidos no canto esquerdo.
O plano foi ótimo, van der Saar não defendeu nenhum. Mas o John Terry escorregou e bateu pra fora. Na batida seguinte, o van der Saar percebeu a estratégia e, quando o Anelka foi bater, ele apontou pro canto esquerdo, como quem diz ‘Eu sei que você vai bater aqui.’. O Anelka decidiu mudar de estratégia. Bateu mal, a meia altura, que era justamente onde os estudos mostravam que o van der Saar era excepcional. Ele defendeu. O Manchester United ganhou.
Onde a análise de dados triunfa
Não a toa, esse exemplo aí de cima vem da liga mais rica do mundo. A liga inglesa é recheada de especialistas em dados: O departamento de pesquisas do Liverpool é liderado por um físico especializado em polímeros; o Arsenal contratou um engenheiro de software do Facebook pra ser cientista de dados; o Manchester City contratou um cientista de IA, com PhD em astrofísica computacional.
Só pra deixar claro aqui: O Liverpool foi campeão em 2019-20, City foi campeão nos dois anos seguintes. O Arsenal, que vinha de uma série de decepções, tá liderando o campeonato inglês com folga esse ano.
São times vitoriosos, que não só investem em contratar os melhores talentos possíveis em campo, mas estão na vanguarda da tecnologia quando se trata de análise de dados para tirar o melhor de cada jogador contra adversários que jogam de maneiras totalmente diversas.
Se você assistiu a copa, percebeu que existe MUITA tecnologia por trás de cada jogo. O VAR, sempre polêmico, tem se tornado cada vez menos suscetível a erros humanos. Os jogadores têm todo tipo de dado analisado, o tempo todo. Quanto, onde e quando correram, dados de movimentação.
Essa é a bola da Copa do Mundo por dentro:
A bola tem sensores que não afetam na jogabilidade, mas coletam dados 500 vezes por segundo, revelando toques sutis, velocidade de chute, localização da bola no campo, rotação… O que você quiser saber. Isso permite análises muito mais profundas do jogo, tanto coletivo quanto individual, só depende de saber usar.
Medindo dados intangíveis
Além desses dados que podem parecer mais fáceis de obter, a tecnologia começou a permear áreas antes inacessíveis: ‘Jogos’ de realidade virtual criados especificamente para treinos de tomada de decisão em momentos de pressão avaliam a capacidade psicológica de um jogador. São situações de stress real, que empresas começaram a adaptar para sua realidade, fazendo com que tomadores de decisão se sintam desafiados, mas ainda em um ambiente seguro, em que errar não é de fato um problema.
Os fundadores da empresa citada acima criaram uma versão voltada para negócios, chamada Attensi. Nela, empregados podem treinar a tomada de decisão em ambientes que simulam a metodologia usada pela Nestlé, por exemplo. Outras empresas, como a rede de restaurantes itsu, ou a SPAR (gigante varejista de alimentos da Holanda), também usam simulações para treinar seus empregados.
Essas simulações permitem que os empregados pratiquem respostas a uma série de cenários desafiadores, porém baseados na realidade. Na itsu, esse treinamento aumentou a retenção de empregados em 29%, mostrando que eles além de serem mais aptos ao cargo, se mostraram mais interessados.
Os dados, assim como no futebol, mostram em que momentos as pessoas agem, onde elas hesitam e como elas se sentem mais confortáveis, permitindo um treinamento muito mais personalizado e uma evolução muito mais rápida.
Isso muda completamente a maneira como o jogo é jogado, tanto quando a gente fala de futebol, quanto de negócios. As oportunidades aumentam, assim como as chances de sucesso. A tomada de decisão fica muito mais precisa, além de as pessoas ficarem mais confiantes quando são apresentadas aos dados.
A lição a ser tirada
Tem ficado cada vez mais claro que quem souber o que fazer com os dados, vai triunfar cada vez mais enquanto os outros ficarem parados no tempo.
Entender como os dados podem revelar o futuro é um desafio comum a todo tomador de decisão, e é essa a maior lição aqui. Portanto, os dados devem guiar a estratégia, seja no futebol ou numa empresa.
Eles são, antes de mais nada, muito mais embasados do que qualquer intuição e podem ser a diferença entre o fracasso e o sucesso. Já escrevi várias vezes sobre como saber usar um dado a seu favor quase sempre é sinônimo de sucesso, seja para entender o seu consumidor e o mercado, seja para descobrir possíveis falhas de execução ou estratégia.